sexta-feira, 21 de março de 2008

Querido Pai!


Neste dia memorável que te vamos celebrar, gostaria de te dizer umas palavras que irás sempre recordar.
És meu Pai, gosto muito de ti, mas gosto ainda mais porque és meu amigo e em ti posso sempre confiar. Tenho a sorte de ter nascido num excelente ambiente familiar, de te ter sempre junto a mim nos bons e maus momentos.
És realmente um Pai sem igual, com uma maneira de ser e de ver a realidade de uma forma muito positiva e humilde e por isso sinto uma grande admiração, querendo um dia ser aquilo que és hoje: essa pessoa generosa, amiga, bem disposta, simples e humilde de quem toda a gente gosta.
Jamais te quero ver triste e a sofrer, pois contigo também sofro e por ti morro se necessário for. Quero que este dia se volte a repetir por longos anos, pois sei que és uma pessoa forte e que ainda nos vai congratular com a tua presença e o teu carinho por muito tempo.
Em ti, vejo alguém imortal e imutável, porque és meu pai, um pai divinal que merece o céu e a recompensa na terra por todas as suas boas proezas.
Agradeço por todas as vezes que me deste carinho e atenção e peço-te perdão por todas as vezes que discuti e fui ingrata contigo.
Mereces todo o bem do mundo, o teu nascimento foi o acontecimento mais importante que há memória, trouxeste ao mundo o teu voto de coragem, humildade e pureza de espírito, características tão boas e igualmente tão raras no mundo em que vivemos.
Adoro-te Pai e crê que a tua lembrança se irá perpetuar longos e infinitos anos, já que irei ensinar às minhas gerações a pronunciarem com orgulho o teu nome e ir-lhes-ei ensinar aquilo que me ensinaste a mim desde a nascença: o valor da bondade e especialmente da simplicidade como os meios de alcançar a paz interior e uma vida feliz e serena.
Saberei educar meus filhos como me educaste a mim, pois graças a ti agora gozo de muitas regalias de ser quem sou, por ter a educação que tenho, por herdar algumas das tuas belas qualidades.
Assim quero que este dia se torne belo e rememorável e espero que nesta carta tenha conseguido transmitir todo o Amor e vaidade que sinto por ti, para que sempre te lembres que por mais longe que venha a estar, sempre te recordarei e muitas saudades sentirei de não poder gozar o conforto do teu abraço e o carinho das tuas santas palavras.


7 de Abril de 2001

Inocência de Amor Infantil

Querer um dia dizer-te abertamente o quanto gosto e te admiro é um dos meus sonhos mais desejados. Gosto de ti, adoro-te, amo-te por teres dado um novo sentido à minha vida; modificaste o meu ser e a minha alma.
Autrora fora uma moça sozinha, com falta de amor próprio, com uma tristeza acorrentada ao meu coração. Fui Inverno, deserto árido, isolado e desabitado. Andava vagueando pela árdua vida; vida escura, sombria e fria; uma vida sem sentido, sem um intento, um motivo de luta.
És para mim o amor por mim tão desejado, a prisão triunfante e leda, és o Sol que iluminou os meus sombrios dias e trouxeste a Primavera ao meu coração. Devo-te a minha alegria, os meus suspiros, o meu consolo nocturno, a minha vida! És a lua cintilante e enternecedora que me contempla e protege. És o meu néctar: deixa-me saborear o teu doce coração, navegar até ao além e perder-me no conforto divino do teu corpo. Deixa-me mergulhar na profundeza do teu olhar celeste e inigualável! Dá-me a tua vida!
Por ti enfrento o mais medonho tormento e venço os mais macabros pesadelos. Lutarei por te roubar o coração e sabê-lo-ei guardar por entre as minhas jóias, como de uma relíquia se tratasse. O meu coração carente, o meu rosto infantil e ainda puro de carícias deseja o teu tacto, o meu corpo necessita do teu para se completar, as minhas mãos necessitam de força e protecção.
Quantos sonhos já me abalaram o pensamento, me fizeram pulsar quando em ti penso junto a mim, no conforto e contemplação do Sol detentor. Quantas lágrimas derramadas por um outro alguém, foram activadas pelo sofrimento de não te ter junto a mim; quantos suspiros prolongados quando no meu pensamento sobrevoava a imagem de teu belo semblante; quanta agonia de mais um dia passado sem ter podido sentir o calor e a maciez das tuas mãos; tantas loucuras idealizadas sem nunca, no entanto, terem passado do patamar de simples desejos vencidos pelo poder constante e permanente da timidez e da falta de confiança própria; quanto o desejo de te poder dizer que és a razão da minha vida e que de ti sinto um amor profundo, que de dia para dia se torna cada vez mais insuportável e sufocante. Dá-me oxigénio para viver; dá-me o teu Amor!
Sonhar contigo num cenário de amor e harmonia, sonhar as carícias, os sorrisos, a paz, a pureza de alma… abalam-me e enriquecem o meu sono profundo, noite após noite…
E pensar nas nossas características e semelhanças, na tua e na minha maneira de ser, nas personalidades complementares, sugerem a ideia de que o acto de Amar se assemelha a uma construção de um puzzle, em que cada peça se pode unir a uma outra de forma correspondente. Assim quero unir-me a ti, como peça de um puzzle e manter-me em teu contacto e proximidade todos os anos, segundos e seus múltiplos… toda a minha vida.
És o meu intento, o fogo apaziguador, calmo e fresco, és a tempestade restabelecedora, um eclipse luminoso, um vezúvio árido, o vulcão renascente, a metamorfose mais sedutora.
ÉS O UNIVERSO DE PROFUNDA LOUCURA!




(2001)

Paixão pela Vida


A brisa do fim da tarde bate-me no meu rosto; ouvem-se vozes de alguém preocupado com o sucesso das suas plantações e um grito sonoro de uma criança.
Escuto os pássaros e chilrear e apercebo-me que comunicam com os da sua espécie num diálogo, incompreensível, absurdo, inacreditável, mas existente.
O vento move o meu cabelo e as plantinhas que o saboreiam, com aparência inanimada, mas que possuem vida, como eu. O som doa sinos automáticos da Igreja, tocando as sete badaladas da tarde.
Machadas ou pás, ouvem-se ao longe escavarem por entre a terra seca do Sol quente que a desidrata.
Ao cume do meu horizonte vejo muitos montes verdejantes, um moinho já antigo, inútil para as actuais necessidades e terrenos de cultivo.
O Sol queima-me o rosto, embora se deite, continua quente e agradável. As pedras tomam o rumo que os passos que alguém lhes deu, arrastando-as ou tropeçando nelas sem pensar na sua sensibilidade imaginária.
Bem em frente está um campo de cultivo coberto de vinhas donde se extrai o famosíssimo vinho do Porto, tão apreciado pelo mundo. Casa do meu lado esquerdo e também o jazigo da comunidade, com o seu muro branco pacífico e inconfundível; ao meu lado direito uma série de amendoeiras esperando, sem se saturarem, do seu fruto, sinal de vida.
O céu agora está enevoado, impedindo que se veja e se admire com clareza o azul cintilante do firmamento. O Sol prepara-se para se esconder por entre as montanhas, continuando a sua tarefa cíclica à volta do planeta aquecendo e clareando todos os povos que nele pertencem. As nuvens cobrem o brilho cegante do Sol. O vento arrefece-me, o dia entardece, o sol por fim desaparece, mas do outro lado da coroa celeste lá está a Lua preparada para alumiar a noite. Lua que de dia não inveja a luz mais forte do Sol e se esconde do outro lado do mundo, onde é noite, mantendo-se fiel à companheira de longa amiga de viagem, A Terra.


(2002)

The early love


I am learning to say you how much I Love you. You are my dream, I want you, I need you, I wish you; You are my faith, my religion, my God. You are the sunshine in my life, please never leave me. I want to see your smile, your face, your eyes shining in my life. Give me a chance to be your friend, to be someone special to you.
I am happy if you are happy, I am sad if you are sad, I am boring if you are boring, because you guide my life, you give me the instructions to live all days in my life. You make the best part of my life. I want your touch, your lips, your hands, all your body be mine to make part of me.
I can’t live alone, without you. Please help me, you are the unique chance that I have to be happy. Please, make my dreams come true.


(2001)

segunda-feira, 17 de março de 2008

A Realidade nua de Uma Vida


Maria era filha única de uma família formada pela sua mãe, Justina Gonçalves e, pelo seu pai, Carlos Gonçalves. Muito tradicional, onde a educação era a pedra basilar na família, onde reinava muito amor, junto com muita obediência e respeito; a moral acima de tudo e os bons costumes. Maria cresceu linda, alta, esbelta, encantadora, de cabelos negros compridos, os mais apreciados por todos na comunidade, especialmente pelo seu pai. Um exemplo de educação, devoção, afecção pelos pais e familiares, inteligência e astúcia. Por ser a única filha era muito estimada, mas igualmente muito controlada pelos seus progenitores, protegendo-a do mal da sociedade, da leviandade, desejando que a formação da sua personalidade fosse a mais perfeita possível. E com esforço conseguiram dominar impulsos naturais de uma criança em formação e fez-se uma senhora de mil encantos, de mil qualidades: humanidade, emotividade, sinceridade, brandura de espírito, humildade, simpatia, simplicidade. Uma doçura para seus pais e um exemplo a seguir pelos demais. Sua acalmia, sua postura correcta, delicada, seu sorriso tímido, sua gentileza no modo de falar, sua extrema sensibilidade perante o que via, a sua fácil comoção – uma jóia de indecifrável valor!
Os pais de Maria eram bem conceituados no meio social em que se inseriam, numa pequena vila alentejana, pacata, onde reinava a harmonia entre todos, onde todos confraternizavam, onde havia sempre quem ajudasse os mais pobres e oprimidos. Tempos passados, onde embora a fome reinasse na maioria, não faltava o empenho, a ajuda, um carinho, uma atenção… e onde todos, apesar de nem sempre viverem no seu mais pleno bem-estar, sabiam reunir-se em festas e bailes, se divertir… uma pureza, uma riqueza pelos habitantes da vila repartidos.
A mãe era uma dona de casa perfeita, que valorizava as artes de uma boa esposa, ensinando à filha como bordar, como fazer renda… Queria prepará-la para se tornar uma boa dona de casa e principalmente uma boa esposa e mãe. Era um tanto exigente, conservadora, muito recatada mas amava de tal forma a filha que só podia fazer com que ela fosse o melhor possível para assim ser mais feliz. O pai, muito trabalhador, sustentava a casa com esforço e muita luta. Era um homem nobre, de tracto gentil, reconhecido, muitíssimo educado e querido por todos na sua vila e também terra natal.
Maria Gonçalves tinha um primo de segundo grau, chamado José Gonçalves, filho de um general muito regrado, muito recto na sua conduta. Maria crescia e o pai de José deliciava-se com tamanha formosura e o seu maior desejo era que ambos os primos se desposassem.
Maria, de sua cortês educação, não era seu costume sair sozinha, ir a bailes, desfrutar de convívios maiores, mas seu primo José era visita frequente em sua casa e entre ambos, naturalmente, cresceu um sentimento que ia para além dos laços sanguíneos. Olhares tímidos, vendados pelos pais, sorrisos… um encantamento genuíno cresceu e se desenvolveu, grandiosa e estrondosamente!
Sempre se casaram, para alegria do tio general, pai de José e da família de Maria que não conhecia par melhor para a sua tão amada filha. Foi uma cerimónia modesta, simples, ao gosto de ambos e ao jeito de ambos, serenos e muito humildes. O amor principiante que os uniu, após o matrimónio, não desfaleceu nem um pouco… houve apenas um crescer, um acrescentar, cada dia de mais amor, de mais carinho, de mais afecto, de mais proximidade, de mais dependência mútua. José abeirava-se de Maria, com seu olhar brilhante e apaixonado e dizia-lhe terna e francamente: ”És o meu ideal, Maria. Gosto tanto tanto de ti, és perfeita. Nunca pensei encontrar o meu ideal! És única, a mais linda de todas as mulheres, tens tudo o que eu mais aprecio. Gosto tanto de ti, Maria!”. Beijando-se como se fosse a primeira vez, todas as manhãs de seu casamento. José adorava tê-la bem junto dele e enciumava quando ela fazia convívio com amigas fora do lar. Bastava ela se atrasar, quando chegava a casa cansado, e perguntava logo por ela, sua primeira e única lembrança “Onde é que está a minha Maria?”. De cedências, paciência, muita flexibilidade e amor, nunca o casal discutira ou passara dias sem se falarem… nunca! Havia um profundo respeito mútuo, um amor que não podia ser maior que os unia, mais e mais com o passar do tempo. Três rebentos desta união, três frutos acarinhados, amados, educados com sacrifício, com tamanha preocupação e zelo. A mais nova, Carla, o filho António e a filha mais velha, Sofia.
A mais nova, Carla Gonçalves era uma doçura, uma delicadeza sem igual, frágil, educada, tão nobre espírito, tão bom coração… um amor, uma flor em redoma guardado. Estudou, formou-se, leccionou, casou-se e teve uma filha. Mais perfeição que a mãe só mesmo a filha Julieta. Que ninguém neste mundo diga que não existem anjos na Terra, porque ela era a prova disso. Celestial… Seus cabelos loiros, quase dourados, seus olhos azuis da cor do mar, do Céu (seu Paraíso), seu rosto perfeitinho, tão singelo, tão naturalmente belo, já para não se falar do seu coração de diamante, sua bondade sem igual, a sua falta de malícia, a sua pureza, a sua entrega generosa a todos, o seu difícil ressentir. Alma pura e perfeita! Dizem que só Deus tem os que mais ama e assim se cumpriram seus desígnios. Terminada a formatura como farmacêutica, com uma Farmácia cuidadosamente construída pela mãe, como todos os anjos brilhou por tempo limitado… apenas deixam sua passagem, seus ensinamentos perante a vida e regressam ao céu estrelado, velando lá de cima por todos. Um linfoma a dilacerou, pobrezinha. A mãe, Carla nunca mais foi a mesma. Divorciada de um marido frio e impassível, sem a filha, sem família por perto… totalmente sozinha, apenas com seu gato, fiel companheiro, se entregou a uma morte prematura, a um luto patológico, a uma depressão que se arrastou anos a fio. Sem a filha, seu anjo e companhia, nada na vida lhe fazia sentido. Maria vivia triste, tentando consolá-la, fazê-la reagir, embora longe… Não reagiu… contou com a ajuda de pessoas bondosas com quem falava, pois que um psicólogo ou psiquiatra “nunca me irão trazer de volta a minha filhinha Julieta”. Mas anos passava, coberta no seu leito, sem luz do dia, sem se alimentar regularmente, pedido só a morte para junto ficar, lá no alto com sua filha, o seu mundo! Com a persistência da sua mãe, sempre esperançosa, sempre atenta á filha, um dia conseguiu sair da casa e viajar pelo mundo em excursões, convivendo com outras pessoas. Foi tão súbito que nem dava para acreditar, mas cedo voltavam as recaídas, de novo uma nova vontade e assim se passou até que, quando se decidira a reerguer-se, o que mais desejou, estar junto da sua filha, se concretizou. O terror do cancro, que já a tinha ameaçado há tempos atrás, voltara para a levar embora deste mundo frio, duro, triste, desvirtuado, para um outro mais belo e cintilante, onde a paz existe e a dor não tem mais lugar. Descansou de um vazio sem fim, mas Maria, sua mãe, como iria suportar a dor? Agora sem sua filha, a mais nova, o mimo de todos, inclusive dos irmãos? Como Deus a tirou de si? Que desígnios o subjaz? Tristeza que só mãe sabe, só mãe sente… os outros apenas poderão olhar, presenciar, imaginar…
O segundo filho de Maria, António Gonçalves, sempre fora a criança mais apreciada pela sua beleza em criança. Certo dia até propuseram à sua mãe quanto queria por ela, para a ter, pois nunca vira nada igual, semblante mais bonito num menino. A mãe, sorrindo, disse: ”Não há no mundo nada que pague este tesouro. É meu!”, dizia com vaidade. Muito astuto, inteligente, conhecedor do bom que a vida pode dar, selector finíssimo de amizades mais requintadas, mais distintas, se fez homem corajoso, de bom porte, de boa alma. Casou, teve um filho, divorciou… Perguntava-se porque seria que seus pais se amaram até à morte e ele estava a passar por tamanha aprovação de desamor, tal como a irmã mais nova? Porque se inverteram os destinos? Lutador, sofreu o mesmo terror da irmã Carla, cancro, mas conseguir reverter os factos a seu favor e, para além disso, ser o irmão que perdera a irmã e o filho que viu a mãe esmorecer de tantas lágrimas, de tanto desgosto. Um exemplo de vida, que soube voltar a amar, após tormenta e que soube apreciar os requintes mais simples e menos notórios da vida.
Sua filha mais velha, Sofia, tão sapiente… a maior bondade do mundo, como a mãe Maria sempre dizia. O gosto de ajudar o pobre, a perfeição em suas mãos criar tamanhas pinturas, obras de arte de valor inestimável, a sua atenção para com todos da família, o Amor, a dedicação constante, o ombro afável de todos, a voz macia aos ouvidos, um coração cheio de qualidades, recheado de carícias. Estudante exemplar, mãe formidável de dois rebentos doces, esposa impecável, amistosa, carinhosa… a mais parecida com Maria, sua tão estimada mãe. Aos seus olhos a maldade não existia e todos eram dignos de um sorriso seu, um docinho, um carinho, uma voz afável e reconfortante de consolo. Sofia tão pura… Que reinado trazias em teu peito? Essa nobreza de coração, essa valentia! Porque Deus também te quis, um outro anjo terrestre. Dilacerado cancro que a afectara tempos idos, regressara mas agora com formidável força. Em tratamentos, perante a dor, o sofrer invencível, sua voz era de incentivo à mãe que primeiro perdera a neta Julieta, depois Carla e agora se via em depressão profunda. Endurecida, calejada, dona de força maior, dizia que estava sempre bem, quando só no seu mais intimo se sabia o quanto padecia. Tão linda alma! Tão angelical sofrer! Tão silencioso padecer… e morrer. Seus filhos, toda sua família não queria acreditar. No espaço de um ano, entregaram a Alma a Deus duas filhas de Maria… que justiça divina é esta? Deixar uma mãe sozinha, com um filho apenas… Perdera o seu reflexo feminino nas filhas, perdera as suas vozes ao telefone, sempre constantes, dia após dia, perdera o ânimo, o consolo, a alegria de lutar e viver.
Maria de 92 anos, ainda tão formosa, de rosto envelhecido pela acção do tempo, seus olhos sempre tristes, um sorriso leve, esforçado, uma mãe que perdera dois dos seus rebentos, que futuro terá? Anseio pela morte inevitável e nada culpabilizante. Saberá Deus explicar-lhe o porquê de tanta miséria de emoções, de tanto desalento, de tanta desesperança e desespero! Só Ele lhe dará as respostas.
Seu marido José, falecera bem antes de presenciar tanta tragédia. Antes de sua morte (uma dor enorme para Maria, sem expressão), diziam um para o outro:
- Deixa-me ser eu a morrer primeiro. – retorquia José.
- Nem pensar! Deixares-me aqui sozinha, sem ti, não aguentarei! – debatia Maria.
- Então, quando um for embora, o outro também vai e assim ninguém ficará a sofrer um pelo outro. Dizia com comoção seu amado marido, para desagrado dos filhos que protestavam “Quem ficaria para nos zelar?”.
História de vida, em primeira pessoa, sentida e amargurada. Representa talvez uma provação divina constatar resistência maior em Maria que, padecendo de doenças várias, hospitalizações, aflições, depressões, choques… tudo aguentara, oh tão brada heroína! Enaltecida merecias ser, lembrada sempre pelos que de feliz sorte te conheceram e te amaram. És a alma que mostra aos fracos o quanto um ser humano, aparentemente frágil, é capaz de tanta bravura, de naufragar e se erguer, de sufocar e não se esquecer, de sofrer sem enlouquecer. Tão lindo ser… Maria!

domingo, 9 de março de 2008

Cedovim de Amor Lendário


Ana era a filha mais nova de um casal burguês, que vivia no seu majestoso solar, rico e poderoso, em Cedovim. Moça de requinte, dócil, educada, humana, generosa para com os mais necessitados, era a filha com as características mais apreciadas pelos pais. Desde tenra idade, demonstrou ser perspicaz, segura de si, dos seus mais profundos desejos… Temperamento calmo, confiante, sempre triunfante… belíssima! Seus cabelos loiros como raios de luz, estendiam pelo ar seu perfume de flores, suave. Seu andar mais parecia um bailado, uma dança celestial. Tocava piano e, fechados os olhos, a imagem era de um anjo sob uma nuvem tocando harpa, soltando o som em ondas circulares, tão leve e finíssimo… flutuando por entre os leves contornos da sua janela de quarto fechada. Tinha já os seus 18 anos. Perfumada de Amor, brotavam paixões de todos que por ela passassem. Seus pais, austeros, reclamavam sua leveza, sua emancipação. Deveria casar-se com um homem do mesmo escalão social, não um qualquer. Mas ela, de uma simplicidade imensa, apenas desejava amar e ter filhos. Casar com homem amado, reunidos em paixão e muita devoção.
Certa vez eclodiram a Cedovim um exército de soldados, tenentes, oficiais ingleses para permanecerem até inicio de novos combates. De sua timidez natural, interessada e curiosa, espreitava por entre sua janela do quarto por aquele, que de entre todos se destacou – o tenente Willis. Serões de convívio entre a família fidalga e os cavaleiros despertaram encanto similar no tenente que, esquecido de si e de sua missão, nunca vira beleza igual, pessoa com tão grande irradiar, com tão celestial encanto. Pequenos sorrisos escondidos e disfarçados, olhares apaixonados… Dia após dia o Amor se tornava mais e mais avolumado, mais denso, mais persistente, mais inquebrável. Através dos empregados do seu pai, a Ana conseguiu finalmente que o seu primeiro manuscrito lhe fosse entregue, ao tão amado Willis. E assim, por troca de cartas, no mais puro sigilo e no total desconhecimento dos pais, Ana segredava os intentos do pai em desposar em breve com um fidalgo da região, muito influente, mas que ela, negando firmemente, o desejava apenas a ele. Willis tomara então uma decisão aquando do seu chamamento para a frente de novo combate em terras distantes: que voltaria e fugiriam os dois, para se amarem eternamente.
Sempre regressou em saudosos e penosos 10 dias de sofrimento de Ana, acompanhado com mais dois colegas do Exército. Ela, desejosa de ter em seu redor os braços fortes de Willis, saiu pela janela do seu quarto, em plena madrugada, com o maior cuidado e silêncio possíveis. Tomando-a nos braços, partiram a cavalo, tão leve como se asas possuísse. Que alivio agora poder amar aquele que seu coração escolhera, sem imposições de terceiros. Amá-lo-ia para toda a sua vida, tal era seu encantamento. Willis correspondia com total carinho e, embora lhe pesasse tirar de seu lar moça tão amada pelos seus pais, era a única forma de a ter para sempre consigo.
Manhã seguinte, a mãe de Ana, Maria, pressentindo que algo de mal acontecera, estende suas mãos finas e delicadas sobre a porta do quarto de sua filha tão querida e o que vê são apenas lençóis entrelaçados pela janela deixada aberta pela sua fuga. Gritos de horror, de dor, de padecer, de tristeza sem limites… Sua filha, Ana, dentre todas as filhas a mais querida, a mais inteligente, a mais afável, a mais parecida consigo… se fora embora com um qualquer… O marido, António, cavaleiro, de educação rigorosa, firme, imparcial, de desamor vivido, sabendo do sucedido mandou que perseguissem os fugitivos e que a filha e o tenente fossem mortos, sem dó! Ao passo desta tão dolorosa decisão, reprovada pela esposa Maria, deprimida num desespero em lágrimas demonstrado, mandou que seus homens vedassem com pedra e cal as janelas do quarto por onde a filha fugira, simbolizando a sua morte prematura e já certa.
Enquanto isso, Ana fora para bem longe com Willis e cedo se casaram, selando num beijo um amor inimaginável e que jamais alguém conseguiria destruir. Momentos felizes viveu com seu tenente, que premiado, passou a oficial. Acompanhava-o para toda a parte, onde quer que ele tivesse que combater em guerra. Ao passo de um mês de fugas, engravidou. Seus corações ainda mais se uniam com tão doce privilégio, ter já uma descendência, fruto do mais puro querer, aquele que levou Ana a deixar a vida abastada e rica que possuía, para agora se acomodar em tendas ou outras provisões pouco confortáveis, padecendo por vezes de alguma fome, sede, frio, enfermidades até.
Ana fora deserdada pelos pais e só poderia viver de seu amor, único consolo, somado à alegria que lhe vinha de um ventre onde nasceria a alma feliz de um querer além fronteiras, além restrições, além imposições sociais e temporais.
Pois que passado 6 meses após a fuga, por fim os homens do fidalgo António, pai de Ana, encontraram Ana e seu legítimo marido num acampamento durante a noite mais profunda e triste. Providenciaram um padre que, pela força de uma espada apontada sobre seu peito, lhes deu os últimos sacramentos para que a vontade de António Aguilar fosse cumprida. Enlouquecidos de desespero, uniram mãos, Ana gritando pelo seu Amor e pelo seu rebento ainda em formação, não poderia admitir tamanha crueldade do seu pai, tamanho ódio em gestos demonstrado. O padre, prolongando os sacramentos para que cedo amanhecesse e fossem ouvidos pelo Exército de Willis, que lhes prestaria apoio, foi ameaçado pela sua vida ser pronta a sua tarefa sem compaixão pelos pecadores que amarrados, gritando, lhe suplicavam ajuda. O veneno da desonra por seus lábios, entre relutância maior, assim os fez sucumbir, aos três, Ana, Willis e o rebento de um amor tão puro, mas igualmente tão amaldiçoado pela sociedade.
Maria, sabendo da morte da filha, padeceu e cedo se entregou igualmente à morte por não ser capaz de conviver com aquele que era seu marido e que com sangue mais feroz e frio, matara a própria filha, a mais querida, a mais bela, a mais graciosa, a que com um sorriso iluminava todo o solar. Amor que de puro mata e destrói famílias, laços de sangue, tudo pela tentativa de fuga à desonra social… Lendária história para posteriores pensamentos e sobre a prova do poder do Amor!

domingo, 2 de março de 2008

Actuação do “Alzheimer”


Chamava-se Irís, flor da juventude, bela e graciosa. Um sorriso seu era capaz de invadir todos os corações de uma alegria desconhecida. Seus cânticos, em voz de doçura desigual, atraiam a si todas as emoções, mesmo daqueles mais imparciais. Desejava o sempre mais. Arriscava, aventurava-se na procura de um ideal, amando tanto homens, como mulheres, as plantas e até as rochas. Viver, para ela, era Amar desesperadamente o mundo e dele retirar os frutos agrestes que nutriam delicadamente sua alma limpa e atractiva. Seus cabelos se uniam ao vento e em belos balançares a ele pertenciam. Seus olhos, de um azul oceânico, lançado sobre um olhar alheio eram capazes de brotar paixões e desejos amigáveis, pelo seu jeito de ser tão singelo e ternurento, quase infantil. Vivia num mundo só seu, numa concha, num casulo, desconhecido e onde a ânsia de descobrir o que nele existia fazia a todos se aproximarem e retirar dela um pedaço de si. Esse mundo tão misterioso apenas o revelava a John, seu amigo, apaixonado e admirador. Mas até mesmo ele se perdia em seus inquestionáveis e repentinos ímpetos e reflectia se Amor por ele habitava aquele ser tão especial. Tratava-se de uma escritora e filósofa célebre, muitas vezes homenageada em jornais, revistas, na televisão… Cada livro seu era acolhido pelo público com encantamento em sucessos sucessivos. Costumava conferenciar acerca da Educação, do Amor, da Arte, da Escrita… suas eternas paixões! Suas palavras, nessas ocasiões, soltavam-se por entre seus lábios rubros em sons conjugados em beleza sem igual, palavras que nasciam do coração e voavam como andorinhas felizes pelos ares, extraindo da Natureza a sua eterna beleza e levando-a até àqueles que, de ouvidos atentos e concentrados, as engoliam com voracidade pelo prazer inédito que proporcionavam.
Vivia de amores de bem-querer ininterruptos, mas foram suas palavras ditas a John que alicerçaram o seu casamento: “Só tu sabes tudo acerca do meu mundo tão estranho e desconhecido, és por isso o meu mundo! Amo-te!”. Num beijar doce e aconchegante, John deliciava-se pela feliz ventura de ter para sempre consigo mulher tão desigual e ao mesmo tempo tão perfeita em seu olhar. John era do tipo pacato, de longe tão extrovertido, pervertido, animado e apaixonado como a Irís. Era mais sensato, homem de Amor único que sempre pronunciou ao longo da sua vida conjugal, àquela para ele tão amada e admirada, tão carinhosas palavras “minha gatinha fofinha”. Ela era tão mais livre e radical! Para si não haviam obstáculos, o limite era o auge! O prazer do risco circulavam-na por entre suas veias, admirava as tão simples oferendas do dia-a-dia. Os seus companheiros fiéis, além do marido, eram a sua esferográfica e papel. Bastava-lhe aspirar o ondular do mar, o cheiro a sal, o frio da maresia e, recostada, observando o maior esplendor divino, escrevia com fluidez com a mesma facilidade com que com água se sacia a sede.
Anos de glória passados de um ciclo aparente sem fim de vitórias e homenagens à tão célebre e amada por todos, Irís. De coração sempre aberto, reconhecida e grata, presenteava seus admiradores com o belo perfume de Amor das suas palavras, carinhosa e sabiamente articuladas por entre sua boca. Tão bom era ouvi-la!
Certo dia, com 65 anos de idade, a fluidez da escrita deu lugar ao trôpego caminhar e rastejar de palavras vazias, ao apagar do raciocínio, deixando a narrativa sem seguimento possível. Assustadoramente batalhadora, se debruçava todas as noites sob um papel e uma esferográfica e, como nunca acontecera em momento algum da sua vida, da sua mente se esvaneciam aquelas palavras que até então encantaram todos. O declínio foi progressivo: dificuldade na fala (por monossílabos), na escrita, no cálculo, constantes esquecimentos, perdas de memória repentinas, fugas de casa, crises de fúria e desespero, agressividade, dificuldades de mobilização, perda da noção do espaço e do tempo e do cuidado pessoal diário… por fim a padecer num leito, confinada a ali permanecer até que a Morte a chamasse. E chamou… Ela se foi. Pobre John, desesperado, recordando-a pelo cheiro das suas roupas. O encantamento que sempre sentira estava agora de partida; que mais lhe restava de bom para prosseguir sua caminhada? Questionava-se se ela passara a Amar o “Alzheimer” e o deixara, de olhos postos na traição, como em tantas outras ocasiões passadas sentira… mas ela sempre chegava, com aquele olhar tão doce e abraçava-o, até mesmo quando já se encontrava cognitivamente fragilizada, dizendo-lhe com lealdade “Eu Amo-te”.
Falecera enfim a célebre Irís. Talvez a Morte a tenha levado para um local seguro, onde governasse a Paz e o Amor. Talvez agora pudesse gozar totalmente daquele mundo que sempre foi só dela - impenetrável. O “Alzheimer” lhe ofertou o privilégio de viver nesse seu mundo de sonhos, de ideias, de bizarrias, de liberdade sem limites, de Amor à vida… encantamentos sem fim… A ajudou a partir da realidade tão cruelmente dura para sobrevoar o seu sonhar, que sempre a governou toda a vida.
Que nunca falte Amor àqueles a quem o “Alzheimer” acolheu; que nunca falte um sorriso, uma carícia, um estímulo, paciência e um cuidar eterno pelo respeito pela Vida dada a cada um e que até ao seu termo deve ser enaltecida no seu máximo!