sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Magia dos Sonhos


Cerrou os olhos e aconchegando-se no seu leito frio, sentindo em si, em apertos, dor imensa, soluçou as lágrimas que inesperadamente, ao seu ritmo, lhe lambiam as faces. Com esforço o sono venceu-lhe e viu-se desenhando, com traços imprecisos, incertos, duvidosos e receosos um rosto esfumado mas que da estranheza se revelava capaz de a fazer sorrir. Involuntária ao controlo das suas finas mãos, sentiu no seu âmago, no seu íntimo teimosamente enclausurado, uma ternura incompreensível pelo rosto em tela desenhado que ela completamente desconhecia. Perguntava-se quem seria, qual a sua existência (se existisse, de facto), se já o teria visto antes, o seu nome… apenas conseguiu como resposta o bater descompassado e incompreensível do seu peito. Sentiu-se estonteante e a custo extremo repousou-se no seu requintado assento macio e reviu-se, curiosa de si, no espelho oval diante dela. Que via? Seus cabelos loiros revoltos ondulando em cascata sobre os seus ombros magros cobertos pelo mais fino tecido daquela que era uma jovem donzela recatada. Acercou-se mais, atentou ao seu olhar, triste, e colocou a sua mão pequena gélida sobre um peito de uma alegria entristecida e duvidosa.
Batem à porta: - “Um senhor espera-a na sala principal, menina.”
Franziu instintivamente o sobrolho não acreditando no que o seu mordomo lhe dissera. Não eram comuns as visitas, ainda para mais um senhor. Quem seria? - “Como é possível receber esta visita num castelo onde só eu e a criadagem habitam, tão distantes do mundo e da civilização moderna?!”
De rompante, num misto de temor e ansiedade, desceu com gentil cuidado a escadaria de acesso à sala principal. Que viu? Um vulto de costas voltadas, com trajes de cavaleiro, postura firme e forte. Sentiu imediatamente um arrepio percorrer-lhe o corpo frágil, desejando com relutância, não descobrir o seu rosto. Antes que ela pudesse voltar-se de costas, ele rapidamente saudou-a com simpatia extrema, num sorriso sincero:
– Cara donzela, gosto em revê-la. Que bom aspecto tem!
Petrificada e sem forças para mover um só músculo, encarou-o com os seus olhos negros assustados e viu defronte de si a sua obra que nunca conseguira acabar de um semblante masculino, com iguais traços aos daquele que a presenciava.
- Não pode ser! – gritou assustada, enquanto a sua consciência se perdia do real demasiadamente duro. Desmaiou num corpo leve e inanimado.
Assustado, o cavaleiro Alexandre Albuquerque, num desespero aflitivo cobriu-a com cuidado nos seus braços e aos seus ombros a transportou para os aposentos da menina Lúcia, dirigido pelo fiel mordomo Alfredo, em braçadas de horror desesperado.
- Lúcia! Menina Lúcia! Anime-se por favor!
Por alguns instantes, a custo entreabre os olhos, não percebendo onde estava, o que sucedera, quem vira, o que a assustara, o porquê do seu terror. Sente então um deleite terno vindos dos braços fortes de alguém… Com a sua cabeça latejando, olhar turvo e rodopiante esforça-se para o encarar, aquele que sempre imaginara nos últimos dois anos em telas distorcidas guardadas.
- É você!!!
- Sim doce Lúcia. Já se recorda de mim?
- De facto não. Quero dizer, de forma tão precisa, não. Peço-lhe perdão!
Lúcia, embora cambaleante, perturbada e vacilante não conseguiu impor-se a si mesma deixar-se soltar daqueles braços que tão suavemente a envolviam. Porque se sentia tão dominada?
- Sou o Alexandre Albuquerque. Viajei há dois anos atrás… Batalhas infindáveis, mas sobrevivi. Queria ver-vos, Lúcia… Precisava vê-la! Soube que sofreu um grave acidente, se refugiou aqui, ficou desmemoriada longo tempo… Como desejava ter estado junto a si nesses momentos cruéis!
- Como me conhece?
- Cortejei-a meses antes de partir. Desejava desposá-la. Sempre gostei de si, Lúcia. Nunca a esqueci durante todo este tempo… toda esta distância.
Lúcia esboçou um sorriso feliz e abraçaram-se com ternura singular.

Acordou sobressaltada e lágrimas nos seus olhos se aglomeravam em relutante emotividade. “Querido Alexandre Albuquerque, sonho infinito, sonhar contigo é honra e apenas basta para acalentar meu coração. Queira Deus tua felicidade maior em braços de princesa. Perdoa-me pensar-te; receio ferir-te. Apenas em sonhos te procuro e à tua voz e presença verdadeira me calo aos separados destinos. Meu amigo…”


26/12/2008