segunda-feira, 30 de março de 2009

Metáfora do Viver


Prepara-se para o sinal de partida com uma confiança variável, já que sabe de antemão que a prova é longa, duradoura e laboriosa. Arranca sem olhar para trás, sente os pés batendo rigidamente no chão, queixando-se de um aquecimento esquecido. Prossegue a corrida, olhando para os seus adversários que se esforçam por alcança-lo, por vencê-lo… Mesmo que resolvesse fazer uma corrida solitária, haveria sempre alguém que o interpretaria mal e se juntava a ele para o vencer, mesmo que ele não tivesse interesse numa competição, numa suposta discórdia. Agora o terreno eleva-se numa subida íngreme e sente a sua respiração tornar-se cada vez mais ofegante embora só há instantes se tenha distanciado da partida. As suas passadas lentificam-se mas sabe que tem de suportar o desgaste já que a meta está longe de ser atingida. Não se pode deixar influenciar pelo cansaço, pela dor dos gémeos, pela respiração quase asmática… tem de prosseguir, continuar no seu trajecto, saltar barreiras, sentir a chuva a cair carpidamente no rosto, mergulhar os pés na lama e evitar sempre cair. As pernas estremecem, o cansaço adensa-se, mas o olhar está fixo além… para além do visível, para além do conhecido. E, enquanto corre, deixa-se envolver pelo vislumbre da paisagem: as aves que chilreiam e o acompanham… as borboletas que esvoaçam sobre si, fazendo-o sorrir pela tamanha beleza… o verde da Primavera, nos dias invernosos… o azul do céu sem macua… o sol massajando o rosto exausto… Jamais quisera perder de vista este encanto enquanto se propunha a correr por cada meta estabelecida, pois sabia a suavidade da beleza que seus olhos estavam capazes de atingir. Continuava a correr sem parar, muito embora o corpo lhe suplicasse por uma breve paragem de retoma de forças. Sabia que parar significaria perder tudo que até ali tinha palmado a custo feroz. Sentia-se cada vez mais próximo do fim, uma sensação de vitória invadia-o com adrenalina, uma nova força conseguia ainda encontrar em si. Sorriu quando viu a fita rubra ao longe… queria trespassá-la o mais depressa possível, não podia deixar escapar esta oportunidade… mas… fito apenas no seu destino, indiferente aos demais concorrentes, incapaz de apreciar a natureza rude que o envolvia, assim se fez cair perante uma rocha que se deparava sob o seu caminho. Caiu pesadamente sobre o chão, não conseguindo impedir que uma lágrima de mágoa, tristeza e dor lhe lambesse o rosto magoado. “Mas porquê que me aconteceu isto? Porquê logo a mim? Que fiz eu de mal para merecer isto? Que justiça comanda este mundo, Meu Deus???!!!”… estava de tal forma derrotado que demorou a ganhar novo vigor para, ao menos, se erguer. Chorava e bracejava com vigor embora ninguém se detivesse sobre ele, parando a sua trajectória para o socorrer. Sabia que estava entregue a si mesmo, não podendo contar com ninguém pois que todos anseiam o mesmo: cortar a meta! Ao consciencializar-se que apenas ele era o único capaz de restituir à vida um sorriso, de voltar a reeditar a sua história, começando naquele ponto onde pareceu tudo desabar, com uma força que desconhecia em si até então, sacudiu o pó, a areia, a mágoa e a solidão e limpando as lágrimas, levantou-se pausada e lentamente num gesto de sublime embelezamento. Reparou que se haviam formado calos, estava mais forte, com os músculos mais salientes, elevados e definidos… e sentiu-se estremecer pela sua nova figura. Com bravura reparou que agora era capaz de cortar a meta com melhor e maior destreza e que embora não fosse o campeão prioritário, iria conseguir atingir aquele alvo fugaz e festejar depois a vitória com os que, raros mas perseverantes, se mantinham na plateia a aplaudi-lo e a reforçá-lo a prosseguir. Sorriu comovente e, de olhar firme, olhou adiante e percebeu que a meta estava a menos de 10 metros dele… bastava apenas mais um último esforço e alcançaria, por mérito, o que sempre desejara para si: a vitória de si sobre todos! E correu, desta feita com um ritmo mais acelerado e compassado… embora as feridas ainda não estivessem saradas, sentia que nada mais o podia deter, uma estranheza da fortaleza que se tornara e um prazer pelo futuro construído e duramente alcançado. Cortou a fita encarnada com satisfação enorme, apreciando cada momento, cada instante, como se único fosse, como se toda a dor merecesse aquele fim. Sorriu e gargalhou audivelmente, embora apenas os seus seguidores de percurso estivessem lá para o aplaudir e chorar a felicidade com ele. Mas alcançou, embora sem facilidades, com luta, com dor e esforço o que traçara para si como percurso e destino de vida. Foi feliz na sua maior dureza e firmeza, ganhando um brilho contagiante no olhar, semelhante a nenhum mais. Venceu!!!

30/03/2009

sábado, 28 de março de 2009

Batalha Existencial


De olhar profundo pestaneja o sol que pela sua janela pequena espreita beijando-a com um bom dia. Quantas manhãs vivera e ainda assim, nada lhe era mais apraz do que sentir o calor do grande astro deliciando-se na sua pele enrugada e velha. De cabelos desalinhados e aveludados de um branco luzidio, passeia-se agora até à sua cozinha, aquela onde vivera tão bons momentos no apogeu da sua existência onde os sonhos futuros nos animam a prosseguir, mesmo quando lá fora sopram ventos temporais. E senta-se com dificuldade, aquele perfil magro e curvilíneo, na cadeira de balouço, enquanto saboreia com deleite a seu chá preferido – menta. Fecha os seus olhos castanhos esverdeados por breves instantes e sente-se voar para aquele passado onde se lembra ter vivido angústias e situações de tensão tais que a impediram de aproveitar melhor a vida breve que ignorava ter. Saudades daqueles rostos ainda se afiguram na sua mente mas cujos nomes se deixaram desaparecer da sua memória. Sorri naqueles dentes já não seus e ternamente segura a sua chávena de sempre, onde se lê o nome “Joana”. Bate forte o peito num coração descompassado e fraco pelos seus já 87 anos a dor da saudade dos seus netos. Mas anima-a pensar que estarão a irromper pela porta em menos de duas horas beijando-a e abraçando-a, fazendo com que se sinta novamente querida e apreciada como naqueles tempos de jovem adulta quando lhe diziam com franqueza: “Basta olhar para si para ver que é boa pessoa e que não é capaz de ter uma atitude de maior pulso já que o seu modo de ser não permite! Você é alguém muito querido para mim.” Não foram muitas as que embalaram com emoção de tamanhas palavras sentidas, mas experienciou naqueles momentos resumidos que valia a pena continuar a sua luta e, de certo modo, a essas pessoas devia a sua vida ter sorrido, apesar do esforço hercúleo, nunca descurado.
O tempo mais desejado, aprendeu a perceber, que se atrasa e que é impossível passar sem olhar demoradamente para o relógio dependurado naquela cozinha vazia. Mas finalmente eles chegaram! “Meus Deus, meu filho Duarte, há quanto tempo… como posso eu passar tanto tempo sem te ver sem desfalecer?”… “Minha querida netinha Margarida, tão crescida, tão bonita, tão vivaz…” - saudades sufocantes apenas te ter em fotos na volta do correio.
- Margarida, queres ouvir uma história da tua avó velhinha?
Margarida olha-a com carinho imenso e sentada ao colo mole de Joana, diz na sua voz de 4 anos que sim, acenando vigorosamente coma cabeça.
- Então escuta com atenção, meu amor, está bem? Porque a história é bonita e um dia, quem sabe, a contes aos teus filhos e siga usada por muitas gerações.
- Está bem avó. Vou escutar com muita atenção. É sempre tão bom ouvi-la… – Sorrindo naqueles olhos negros grandes pestanejantes, que espelham já um carácter doce, meigo e gentil. - Joana revê-se nela quando tinha a beleza daquela idade, em fotos retratada.
- “Era uma vez um soldado muito magro e simples que fora mandado para a batalha. Era franzino, inspirava amor por todos e sentia-se tremendamente triste ter de combater contra aqueles seus irmãos. Então é que, pelo seu grande coração, sofreu tamanhas golpeadas daqueles que, apesar de considerados inimigos pelo mundo, eram semelhantes a si e apreciados nas qualidades que sempre vira nos demais, mesmo que apenas fosse a beleza do seu traje de batalha que lhes dava algum brilho e brio. De cada vez que se vira obrigado a defender-se, soltava uma lágrima. E tantas foram as vezes que teve de usar da maior rudeza de si para com os outros, que se formou, diante dos seus pés, uma grande lagoa salgada. Não aguentando mais, querendo escapar de si, de quem se obrigara a ser, mergulhou naquela sua lagoa, soltando um grito de tortura… queria fugir… não sabia bem para onde, mas ao olhar para os seus actos inglórios, para a destruição avizinhada do seu ser, para o quanto se perdera de si, do seu jeito doce, tímido, amável e sempre sorridente, debateu-se com uma imensidão de sentimentos múltiplos e uma vontade irresistível de desaparecer. E assim mergulhou, dentro de si, do sal das suas lágrimas e viu coisas espantosas acontecerem: uma ilha lá ao longe, verdejante, aprazível, aconchegante, coberta de flores de espécies várias e desconhecidas onde se apercebeu de vozes ao longe, gargalhadas, música calma e dançável e sentiu seu peito rebentar. Eram todas aquelas pessoas que marcaram a sua vida de forma mais ou menos positiva, de forma mais ou menos intensa. Quis aproximar-se, abraçá-las, pedir-lhes desculpas mas embora usasse todas as suas forças, estas revelavam-se insuficientes para alcançar aqueles que perdera, que assaltavam a sua memória, ora produzindo alegria, ora tristeza. E deixou-se abater por um sentimento de fracasso, de terrível frustração, de terrível desencanto pela vida. Eis então que nesse momento alguém que irradiava luz, se acerca dele e com um gesto carinhoso e breve, lhe faz erguer o queixo e fazê-lo olhar. Era ele mesmo, mas iluminado, com uma áurea de paz e amor enormes e, sorrindo, confessa-lhe: - “Este serias tu caso o mundo lá fora não te corrompesse. Não te humilhes, não te culpes, não desejes que o tempo regresse e abraces todos aqueles que amaste e que, sem te aperceberes, se afastaram de ti. Olha adiante… todos nós cometemos erros, somos imperfeitos mas existe dentro da cada um de nós a possibilidade de sermos deuses, livres, bondosos, meigos, humildes e felizes. Mas, quando o mundo se afigura tão oposto à beleza desta ilha, todos se fecham sobre si, todos se protegem, todos se escondem, todos revelam uma aspereza oculta… é então que acontecem as dificuldades nas relações. Como pode haver amor entre dois seres se o mundo se esqueceu que essa palavra simboliza um tão invulgar sentimento? Como podem dois amigos de longa data se manterem juntos, quando a ruína espreita, enegrecida? Como poderá alguém compreender-te se cada um olha para si e para o seu umbigo, esquecendo-se de sentir que há mais algo para além dele, algo mais para além do visível, uma tarefa mundana a cumprir? Repara em ti: és jovem, tens dentro de ti todos os vitoriosos ingredientes para triunfares na vida. Mas passarás pelos espinhos até alcançares a proa da rosa. Mil lágrimas hás-de derramar para conquistares o sorriso de uma criança; duas mil para seres valorizado; três mil para seres amado. Mas não esmoreças. Há batalhas que terão de ser enfrentadas de peito firme, haverá quem não te entenda, haverá quem te julgue mal, quem interprete mal os teus feitos, quem desconheça o teu propósito de vida… mas lembra-te que és único e, se vives entre os mortais é porque deste provas de que eras capaz de vencer aqui, neste mundo desencantado. Por isso rompe esse sorriso, avança perante todos sem armas, mas acautela-te… não deixes que te firam, mas segue amando e acreditando que na luta pela glória, só quem morre e sabe nascer de novo descobriu o caminho certo para a felicidade.
Sorrindo então percebeu que necessária é a firmeza de atitudes, a marcação de si, do seu lugar, mas que a par disso, haverá sempre alguém que mostre sinais de precisar de nós, sinais de que merece consolo e aconchego. E nesta luta existencial, há que saber sorrir perante as maldades e adversidades e prosseguir olhando menos para si e mais para os outros… tantos a precisar de serem descobertos, revelados, observados atentamente e valorizados!”
- Querida netinha, tão perfeita na rudeza da escultura em construção, escuta com atenção a lição da avó: -“O mundo, embora se afigure selvagem e desnutrido, continua a merecer o nosso encanto para juntos, passando a palavra da sapiência e do amor a todos, saibamos o melhor caminho a seguir para alcançar, não o cume da vitória material, mas o cume da vitória espititual… essa sim tão esquecida! Nutre e deixe florir teus frutos – é essa a tua tarefa neste mundo, aquela que por vezes esquecemos de prosseguir confundindo-a com outras parciais. Sorri e encanta multidões, meu amor pequenino!”

28/03/2009

sexta-feira, 6 de março de 2009

Despedida única e fatal



Fizeste tua escolha. Aceito-a com a tristeza de uma perda e a raiva de um desgosto.
Perdeste o lugar que ternamente guardava no meu coração só para ti pois que agora conquistaste o extremo, provocar em mim o maior e mais profundo desgosto de sempre que sei, me acompanhará por toda a vida.
Foste cruel porque me desprezaste; desprezaste todas as vezes que chorei por ti e trocaste-me, a mim e a toda a família por alguém que está muito aquém de ti. Se bem que agora penso que estás bem acompanhada, pois nele reveste ao espelho. Mas a ele apenas lhe ofereço a minha indiferença e nada mais.
Entre viveres em mim e morreres para sempre comigo, pelos laços de sangue que se dizem nunca quebráveis, aqui marco o teu fim para mim.
Tu não imaginas o quanto te amei… nunca deste o devido valor, nunca soubeste retribuir porque sempre te achaste o centro do mundo e, até certo ponto tinhas razão, porque foste tudo para mim durante largos anos da minha existência.
Tudo podia ter sido bem diferente caso houvesse em ti uma terça parte do amor que nutri por ti. Como o amor que tens a dar está dividido entre ti e ”o outro”, compreendo que não houvesse lugar para mim. E agora percebo o porquê de sempre ignorares as minhas vontades, os meus sonhos (que quase destruíste), os meus prazeres… nunca pude gozar da tua companhia como sempre sonhei porque repelias-me como um ser rasteiro e pegajoso a ti que até te incomodava.
O teu fim em mim deixa, no entanto, a certeza que sempre fiz tudo por ti e que sempre te amei. E recordarei apenas alguns momentos em que te tinha como Deus e te penteava, te acariciava, te lavava os pés, te fazia penteados. Lembrar-te-às com certeza que tudo que dizias eram ordens para mim. E sei que continuas a apreciar as festinhas atrás das orelhas…
Sabes que mais? Apenas me recordo de uma só situação, destes quase 25 anos de vida, teres tido um acto de amor perante mim. Estava doente, com febre alta, deitada sobre a cama que ambas partilhávamos e passaste todo o dia a contar-me as histórias das “1001 noites”, enquanto eu delirava e tu te afligias. Era uma mera criança indefesa… Infelizmente nada mais recordo de gestos de amor semelhantes a este. Infelizmente de ti foram mais as lágrimas que derramei enquanto tu me ignoravas, centrada sobre ti e o teu mundo.
Perdoo-te, mas não esqueço as mágoas somadas que me fizeste viver e sofrer e, para além disso, o que causaste à nossa família fruto apenas e somente do teu desamor.
Sempre desejei ter uma irmã companheira e amiga… sempre invejei ver irmãos unidos, ver a entre-ajuda, a consideração, o respeito, o amor no olhar… nisso serei sempre uma pobre miserável porque não tive o que sempre sonhei e por mais que a vida me sorria no futuro, com a tua partida, vais deixar um vazio insubstituível na minha alma.
No meu quarto figuravam três fotografias tuas, em belas molduras, as melhores que encontrei para te ter sempre junto de mim. Rasguei-as para não sofrer mais ao olhar-te. Trouxe-te comigo no porta-moedas, porque a minha vida é flutuante e mutante e assim pensei ter-te sempre comigo para todo o lado, imaginar-te junto a mim a fazer compras, a sorrir perante as mesmas situações, a chorar pelo azar uma da outra, a divertirmo-nos enquanto o mundo lá fora se destruía. Desejei que isto tudo acontecesse, mas o meu ingresso para a faculdade, a decisão de que faculdade e cidade tirar um curso superior foi razão para temeres a minha presença e deste-o a perceber bem, tão bem, que ainda hoje me dói o teu desencanto por mim.
Partiste porque não me amaste e porque, para eu prosseguir com a minha vida, não posso carregar mais comigo um fantasma que nunca está presente, que é sempre imaginário e que já tão mal me causou. Para minha protecção digo-te adeus, estando meu coração sangrando, praguejando o teu belo nome.
É o fim que há muito se esperava. Que, lá de longe, sejas feliz. Por cá farei por te esquecer definitivamente porque, afinal de contas, desejo ser amada e feliz, uma vez nesta vida. Bem sabes que o mereço, embora não o demonstres… ADEUS.

06/03/2009

Silêncio


Na turbulência de sons imperceptíveis e ensurdecedores, lá se encontrava ele, rodeado de gente, conhecida ou não, amiga ou anónima, que lhe produziam os mais variados sentimentos, tanto de amor como raiva, tanto de tristeza como de alegria, tanto de admiração como de indiferença. Caracterizava-o o silêncio. Sorria apenas… um sorriso tímido, nem sempre sincero, por vezes audível, sendo a sua sonoridade motivo de incomodo por alguns outros. Evitava palavras e, mesmo entre amigos, sempre preferiu escutar a tomar a voz do discurso e pronunciar-se acerca de que lado pendia em determinado assunto. Nem seus pais, que por mais atenciosos, carinhosos e maximamente companheiros que fossem, se apercebiam do que ele sentia. O seu sorriso, para todos, era sinal de alegria revelada pela vida, em qualquer campo onde ela actuasse. Mas, a realidade dele, essa, era completamente diferente. Percebia, mas não era entendido; compreendia, mas não era compreendido; era bom ouvinte mas nunca teve alguém que a questionasse para além do básico, julgando saberem tudo o que o sorriso fácil, que ele sempre mostrava, revelava.
Por vezes sentia-se desaparecer, esquecido. E viu passar diante dos seus olhos, esses sim, reveladores da emoção reprimida, muitos que o procuraram à procura de conselhos, à procura de compreensão e companhia, mas que, mais tarde, quando outro alguém tomava o seu lugar ou quando simplesmente se enfadavam do mesmo rosto compreensivo e risonho, afastavam-se. Outras vezes acontecera também, julgado injusta e impiedosamente, apontado por autor de enredos e histórias imaginárias, fora caluniado ao ponto de se sentir de tal modo ofendido pela ingratidão que decidia, por sua própria vontade, afastar-se de todos estes malsins, rebentos imaturos do viver.
E à medida que os anos passavam, assim se viu cada vez mais sozinho e “abandonado”. Perguntava-se, sem voz audível, sobre o porquê e não achava nunca resposta capaz de explicar o isolamento. E reflectia ainda mais, consigo mesmo, frente ao rio, no metro, no autocarro, no jardim… de olhar vago e nebuloso acerca do porquê dos acontecimentos que por ele via passar como personagem figurante… nunca principal. Admirava a eloquência, o bem falar, a capacidade de persuasão; lamentava-se do falar por falar, das palavras fingidas e sem sentir, da capacidade imperdoável do ser humano pôr em palavras tudo o que não lhe pertence nem lhe é seu. Transtornava-o verificar o quanto se tinha perdido a capacidade de perceber o que não é dito, mas apenas gesticulado, pela postura, pelas mãos, pelas expressões, pelo motriz expressar de forma ampla e até mais alargada o que a alma reclama por dizer. Quem silencia? Quem se cala? Quem fala sem nada dizer? Quem ensina pelos comportamentos?
Quem estaria capaz, no mundo deste jovem rapaz, de o compreender se adoptava, de forma voluntária, outro modo de expressão? Pensava para consigo talvez ser mais aceite e entendido entre os que, infelizmente ou não, não tinham a capacidade de ouvir e falar. Com certeza faria profundas e intensas amizades. Certo é que, sendo diferente por livre arbítrio, se sentia, por vezes, desesperadamente infeliz. Então, como a voz dele não evocava os sons mundanos, escrevia. Desde tenra idade percebeu o quanto o papel era seu bom amigo e confidente. Ao depositar nele, através de traços rápidos de tinta, o que aos outros calava, no final, voltava a sorrir e a ser a mesma personagem aparentemente alegre, sem problemas e preocupações, do costume.
Sorrir cativava mas não prendia quem inicialmente o apreciava. Talvez por faltar, nesse sorriso, o reflexo da alma ou, tão simplesmente por ser ele destinado à reflexão do que em torno de si existia e chocava.
Fiel ao seu carácter, por anos inalterado, fez-se escritor e apreciado por alguns. Sua escrita transparecia, aos mais atentos, emoções fortes e sentidas, desabafos, episódios da sua vida que ninguém percebera que viveu, os amores e desamores sofridos e calados, a visão de futuro pseudo-optimista. Mas, da arte de escrever do qual tomara como única profissão, muitas foram as ocasiões de perda de vocabulário capaz de o fazer expressar exactamente o que o coração verbalizava. E, frustrado, por palavras vagas, sem forma, sem conteúdo, sem rima, sem paixão, enfim, sem vida, assim se esforçava por tentar fazer-se “ouvir”. Deste esforço, a escrita tornava-se confusa e opaca… Poucos a percebiam, assim como poucos ou até mesmo nenhuns o entendiam através dos gestos e do seu companheiro sorriso. Ainda assim, sem pretensão de sucesso na sua arte, aliviava tensões ocultas e só isso bastava para o mover a continuar. Era feliz? Sim, era, na sua forma particular e solitária de ser. Condenável silêncio? Não, ele nos faz evitar problemas e maximiza o poder de reflexão e de sensibilidade. Quem se cala, mais disposição tem para usar o olhar para bem observar e, para assim, melhor compreender. E porque o mundo é irado, há que saber entendê-lo para melhor nos adaptarmos. Ele seguia, então, o caminho certo? Sim. Mas nunca nenhuma opção não envolve riscos. O silêncio potencia os sentidos e provoca a solidão da revelação do que a sociedade procura sempre esconder. Mas ele mantinha um só intento: um dia, nem que pós-morte fosse, todos falassem a sua língua surda e se entendessem em amor e maior solidariedade. Audaz sonhador, mantém o teu silêncio, a tua tenacidade… encontraste o caminho certo do conhecer!

05/03/2009

domingo, 1 de março de 2009

Glória










Se penar causa fortaleza
Se chorar gera intima limpeza
Se sorrir ao mal é pureza
Se indiferença leva à grandeza
Se isolamento cria realeza.
Serei por todo o mundo
A glória da tristeza!

28/02/2009

Superação


De postura cabisbaixa, sentada sob o surdo ruído, deixa que as lágrimas revelem o que as palavras calam pelo isolamento e anonimato de um humano vulgar. Desejando o fim maior, no cume da angústia, pois que da recente vida que tem e nutre, apenas desilusões sucessivas quebraram a sua passada. E parou diante delas, travando lutas, tempos de íntima cura, de desconhecida batalha. E, sangrando e com graves feridas, agarrou o solo que a arrastava e esmagava e fê-lo poisar sobre seus pés, como é suposto estar. Noutras alturas enterrou-se na água salgada e saboreou o acre, o azedo, o amargo, o fel. E apreciou-se no desterro da culpa, pelo não merecimento, pela inglória e fez-se isolar, afugentando o bem dos demais… raros.
Um vulto feminino aproximou-se e falou-lhe no seu valor, na vitória do sol sobre a tempestade, da vida desafiante e nunca inútil, no isolamento para melhor reflexão, na felicidade conquistada e necessário merecida e nos quantos aguardam por ela. Aí, fez-se lavar em lágrimas, vencendo às feições do seu rosto e pronunciou com dificuldade entrecortada, “Anjo meu…”, ao que a figura responde: “Não sou… sou igual a ti… repete o que agora te disse a quem vires necessitado de aconchego… vai ao encontro de quem te espera!” E partiu, deixando-a só no seu pequeno lugar, ignorada pelos transeuntes indiferentes. E, balanceada pelo bem de prosperar como a figura angelical aconselhara, conseguiu forças capazes de se reerguer. Mas, ainda assim, a sua figura transparecia dor na alma, dor passada, dor infinita, dor oculta. E uma criança viu-a e olhando-a com ternura imensa, cruzou-se com o seu olhar triste e apontou-a, imersa na multidão imensa, como “a mais bela de todas”. Sensível, percebeu o que Ele queria transmitir através destes seres preciosos e continuou a caminhar. Sorrindo timidamente às pombas, às gaivotas, ao idoso prosseguiu e encaminhou-se para o seu dever mundano.
Entrou pelo edifício e por ela inúmeras crianças desconhecidas abraçaram-na ao seu encontro, famintas de um gesto de carinho e ternura de quem quer que fosse, quando seus biológicos progenitores as abandonaram. Chamaram-na de “tia” e sentiu o seu peito encher. Beijou e fez adormecer nos seus braços o bebé gracioso e, para seu espanto, ainda mais indefeso e vulnerável que ela mesma. “Nunca estarás só” acariciando-a com estas palavras na voz mais sincera e pura que encontrou em si. E o bebé adormeceu num sono tão repousante que a tranquilizou também. Beijando todas e prometendo sempre regressar, amor deu aos pequenos seres, sentindo cada abraço como a melhor das dádivas. Sorriu e com uma lágrima, desta feita, animada, deu-a para festejo de todos. O coração voltou a bater sentindo-o forte. Lá fora as ruas mantinham-se cinzentas, ninguém reparando nela, mas abraçou-se, sentindo-se única e especial, sorriu a todos que mesmo sem lhe darem valor, mesmo pisando-a, não lhe atingiam o seu ego forte e brilhante. E foi feliz, consigo e com o seu “eu”, suspensa na ignorância e incompreensão que marcam a sua plateia. Não mais se esmoreceu porque sabe que um dia procurá-la-ão pela luz que a invade por dentro.

28/02/2009