quarta-feira, 16 de novembro de 2011

História



De entre tamanhas relutâncias, ela enfim nasceu. Num ambiente, qual sereno e tranquilo... Ela, a dominadora, foi desejada para apaziguar o sacrifício e o amparo desejado. Nao fora destinada a grandes feitos futuros nem projetada num casamento com filhos. O carinho era inútil para quem seria a bengala e não o peluche acarinhado. Na mesa o essencial para o seu governo, num estômago pequeno e colado. O pior restava-lhe. Sofreu, sim, desamor e respeito, esse, nenhum. Quis, teimosamente, à rebelia dos seus grandes gigantes, crescer, amadurecer, ser alguém. E estudou. Conseguiu sucessos e, desse ânimo, foi caminhando até um alcance pacífico, que lhe traria a independência e a boa aventurança à mesa de uma casa sua. Seus cabelos negros, compridos, esvoaçantes e luminosos, num olhar igualmente breu e captador, ela o conheceu. Quem ele era? Rapaz bem visto, educado. Ele que perdera o seu seio em tortuosos dias, anteriores, de lamentos e sofreres, de um pai revolto e súbito, carregado de vícios mas também saberes numa mão engenhosa. Discórdias, falta de alento, o ser preterido aos outros, num total ímpar, nao foi feliz no ontem. Nela viu a possibilidade de ver clareados os seus medos e de ver terminados seus lamentos de tanto tempo companheiros. Apaixonaram-se. Loucura e saudade juntas dissiparam sobre eles sonhos que, perdidos, decidiram largar. Fantasias em que tu nao és como eu te vejo, mas agrada imaginar-te nos meus desejos e vontades corrompidos, à luz do meu querer. Cegos, casaram-se. Mas, afinal, quem és tu? Aqui ao meu lado. Foi contigo que desejei vida? Filhos? Nos enébrios e embevecidos momentos de lucidez ou no odor a éter, álcool, sabores sangrentos, circulando por dentro, de impulso negado, deram à vida um ser. A antítese das suas ânsias... era a serenidade angelical que desejaram para si. Dormia, no leito, suave respirar. Estará ainda viva? Frágil, branca, luzidia, clarão a seus olhos. Ela! Cinco primaveras e, nas noites frias de gelo enrigecido nos tetos da casa, ela, outra, chorou pela primerira vez. O oposto. O sobressalto. A agitaçao. O sono. A doença amarela, feia e revoltada. Insatisfeita no sempre. Mas que quer? Condolida. Em dor. És tu... reflexo de nós, no íntimo. Desdenho-te! Como te atreves despertar-me do sono da calma feliz com a primogénita? Cresceram sem amizade. Sem entendimento na diferença. Sem reflexo. Cheiro a adega até o susto abrandar. A doença mostrou-se, sem receios, diante dele. Agora, diz-lhe, cuida-me! Cheguei, sou tua e irei destruir-te, lentamente, num continuar anos que daqui virão.
Estou aqui e ninguém me vê. Nao percebes que desidrato numa sede de querer? Vejam-me! Tenho habilidades e sorrio inteligencia. Nao, asno, nao!!! Nao quero mais chorar essa palavra que me esgana aqui, onde mais doi. Abraça-me. Consigo-o se te ouvir e essa a estratégia usar. Porque elas são melhores e à outra, sem sangue, houve brinquedos tao dóceis? Deixai-me ir, agora, maior na coragem, para longe e de lá conseguir o necessário. Mas deparam-me ameaças, troças e mentiras. Amizades desejadas, o sol, a órbita, e amores desejados, satélites, apenas no imaginário vividos. Um sonhar aparvalhado quando nada no real agrada. E na utopia permaneceu até ao choque com aquele, hoje duvidoso, fez defrontar numa queda a pique com o terreno. Criou também dolorosas cicatrizes, vigílias, sobressaltos, ataques bravos e raivas sem alvo. Hoje, renovada no bem e mal alcançados, é diferente e, naquele abraço, a paz desejada num momento, em momentos, instantes no eterno de um segundo sorridente, num baloiçar embalado de felicidade sem um chão, duro ou suave, visivel. No amanhã saberei o rumo da história que há-de vir.

sábado, 5 de novembro de 2011

Variâncias



A inspiração esvaiu-se num mergulho denso sobre as águas pesadas e viscosas de um real de penumbra e esforços. Será que ela apenas se revela no sofrimento? Ele já não me governa, hoje, de fato. Mas entristece olhar para aquele que antes fora meu amigo, único e último, e verificar que escassa o tema. Não só esse, tema, se diluiu! Onde foi a capacidade de brincar com as palavras e produzir confusões em mil? Focalizando-me nesta outra realidade, agora enfim externa, aquela que me conduz, que me encerra e limita no agir, fica esquecida no refletir. Não que a dor faça falta, não que anseie o devolver passado, não que me alegre pensá-lo… apenas a nostalgia de notar que no hoje não sou igual, jamais. Que talentos, capacidades, temores, oscilações e revoltas se dissiparam; alguns engrossaram, outros infertilizaram. Mas eis que um braço me prende ao ontem e me vem contar que há quem me espere e que soluça por mais do eu outrora. Sem enaltecimento maior. Que devolver? Quando, por aqui, novamente reencaminhada para outros cheiros, outras sonoridades, prazeres e gentes, prossigo numa trajetória diversa… Nada é linear e antecipado no troço que marco naquele véu de luz que nos é colocado em hora de graça. Ora mais carregado de negro, ora mais leve e quase invisível, ora circular, ora em ondulações vertiginosas. Quem me dirá o que virá a seguir, se no nada há coerência? E vou escrevendo sobre a tábua rasa áspera a história que, após cada parágrafo tem um ponto final e um novo parágrafo… quebra e mudança! Pois que o tema muda, continuamente, sim. E eu, sinto o arrepio da queda? Vacilo? Receio? Nego? Não! Prossigo! Há tanto para versar, tanto para criar e adoirar! Esta incoerência irá, por fim, trazer o sumo etéreo essencial de que anseio e, suponho, pois meus olhos sobre isso se direcionam, alcançará um termo que trará sorrisos e fomentará a outros, artistas, a continuidade de mim, o preenchimento do molde semi-acabado. Toda a prosa, a música, tem um início, um mediar (rascunho ou em versão definitiva e irreversível) e um… Termo! Para lá todos o desejamos querer, com a maior graça possível. Riqueza naquele que cultivou o incopiável, o sem plágio, o autêntico, o novo, o cerne. A par com todos os entes sociais, marginais, circunstanciais, insignificantes.
Ele não deseja de mim mais que a complexidade da existência que projetou certa hora sobre os meus ombros abebezados, no princípio, no ato magnífico criador. Sei não cuidar espera de retas… nem no somatório do passado curto que me fez, sei perceber a facilidade de um caminho aplanado e sereno. Mas, ele que me atenta, aplaude-me com vitórias e corações que se acercam e me arrancam prazeres. Ele enfim surgiu! Ele que será equiparado à felicidade mas que me dará, inevitavelmente, o sofrer essencial que sempre orbitou para a continuidade da instabilidade de que me cerca, me pertence, me simboliza, naquilo que sou, no que fui e no que serei… amanhã.






Clara Conde Balsemão
04/11/11
claraconde@gmail.com