segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cinzas


Quando dos alicerces até então fingidos se resumem a cinzas esvoaçantes, olho-me em mim, só e desalmada, com todo o silêncio espalhado ao meu redor, com um nada de tangível a alcançar, sem sorrisos para conquistar, sem batalhas para travar, sem um nada ter… penso no passado e no seu fim, nas lutas que travei e nada me parece fazer sentido… agora! Da fantasia sobejou isto, tantas muralhas abanadas, tantas ruínas, tanto caos! E agora que faço com o pouco que me restou? Revolto-me e enraiveço-me com a minha cegueira e entristeço-me, entre quatro paredes brancas, com um viver solitário e esquecido por todos. Quem sou eu afinal? Que praga nunca conhecer o amor, nem nunca ser merecedora de ser amada! E contorço-me com dores, sonambulante, negando quem sou. Pois que se me pensar, a visão será deprimente demais para aguentar. Em 25 anos esculpindo a lápide, em árdua tarefa, alisando as rugosidades, aplanando as subtilezas, fazendo por tornar a obra cada vez mais perfeita, quando, depois de concluída, olho de longe e vejo apenas pó que balança ao vento, que não tem forma, que não tem essência, que é afinal de contas um nada!
E as respostas a todas as questões que ainda abalam, permanecem e somatizo, já exausta de pensar, já cansada de me sentir, já farta de me aturar… como todos os outros, aliás. Porque eles se esvaem e fogem do cão que rosna, constantemente, embora sob a capa de um dócil e meigo animal? Serei apenas isso? Porque ainda me angustia pensar nos meses que fui largada, por ele, apenas mais um, e não consigo voltar a página? E permaneço com ele em sonhos, ilusórios, e sentires abafados mas não apagados, de que um dia voltará dizendo “quem te conhece realmente, jamais te largará”. Como é duro pensarmo-nos tal qual somos, nulos, zeros, desamados e esquecidos. Pois que passei por muitas vidas e nenhuma marquei. Visão nocturna, taciturna, arrepiante, desgastante, sofredora! E continuam os dias a ser cinzentos sob o sol radioso de Verão, enquanto ao longe se ouvem sorrisos, tanta alegria e amor, por aí… longe de mim. E aquelas que percorreram comigo os anos, tomando-os como espelho, vejo caminhadas, vejo prosseguimento… E volto-me sobre mim e continuo a ver um bebé indefeso, desidratado, soluçando choros não acalmados, cansado e esgotado de chamar e não ser ouvido. O meu tempo aí parou, ditado pelos gigantes, supostamente cuidadores, supostamente seres de dádiva de amor. Raiva e enojo ter-vos ao meu lado e ter de vos engolir, já sufocada. E sim, um artificial pode surgir, pode renovar, pode dar o encosto para fazer a escalada, mas e depois? Nada surge do nada, aliás, já do vindouro temo, arrepiada. Que jogo patético é este?! Porque não me permites, oh tu, aí grande, sair daqui e pôr-me num lugar mais soalheiro? Gostava de ver o sol e paisagens secretas que quase todos já puderam ver e eu, esperando impaciente, continuo atenta a um sinal teu, um aceno, uma aprovação para prosseguir pelo bom. Mas ainda assim, por mais que doa, tenho de permanecer erguida, mesmo quando dói abrir os olhos e sair lá para fora, cada vez menos enroupada certo, mas ainda assim, por seu turno, cada vez mais vulnerável e disponível a mais golpes. Até já elas, as lágrimas de sal, se afastaram e para as conseguir, quase que preciso de arrancar forças de todos os músculos, para as sentir húmidas, limpando o pó que sou eu. Não me sei fazer nem tenho o engenho necessário para o renascer, nem as receitas fantásticas para um produto feliz. Que fazer agora, no entretanto, nesta espera quase infinita pelo artesão, pelas olhos e pelas suas mãos, pelo seu calo e pelo seu talento em construir de mim algo maior do que fui? Que fazer para além da imobilização que me agita no íntimo a minha pseudo-estrutura? Cansam-me os dias de desassossego gerado pela inacção, pela labuta rotineira, pela miragem do além ofuscado, pelo nada ver além de desintegração e flutuação… de tudo que hoje sou, de tudo que perdi e nunca tive, de tudo que ansiei sem nunca ter, de tudo que fantasiei e do real oposto ditei. Dei dois passos apenas, nesta caminhada da vida, onde permaneço gatinhando num corpo de mulher, chorando pelo abraço e colo que nunca veio e soluçando os desgostos e indiferenças de todos… um por um, fugidos.
Surda suplica!


12/07/2010