sexta-feira, 22 de maio de 2009

Passos vivos


Naquele seu andar rápido e ágil tropeçam aqueles pés pequenos naquele chão sonoro que se escuta no andar de baixo daquele prédio modesto onde mora. E alguém a escuta atento. Ele é desconhecido, atento e sofre do mal de a amar em silêncio. Cerra os olhos para a escutar quando ela acorda estonteante de um sono profundo e balouça os pés com gentileza e descuido sobre a sua cabeça, no seu tecto. Sabe os seus horários, conhece o seu tão genuíno andar, característico e inconfundível. Apressado, rápido quase sempre… desconcertado e descompassado nas horas mais cambaleantes do dia. Sabe a sua rotina, vê-la no silêncio escuro do seu quarto, imagina-a nos seu sonhos sem nunca se tentar a observá-la da janela. Podia fazê-lo, mas sabe que perderia a magia que os seus sapatos produzem num bailado previsível. Sabe quando ela se encontra atrasada para o trabalho, sabe quando relaxa descansadamente sobre o seu Yoga, sabe quando o cansaço a invade, sabe quando está doente, sabe quando adormece cinderella, sabe se tem visitas, se é casada, se mora só, se está alegre ou triste. Ela é sua na sua imaginação… e de lá apenas a deseja manter para além do véu perturbador da realidade. Conhece quando se dança sozinha ao som de uma música calma e lenta e breve… dança bem! Os seus passos detêm-se muitas vezes na dúvida da hierarquia a dar às imensas tarefas que se propõem fazer e se perde em silêncio na concentração do seu apraz trabalho obsessivo. É um exemplo a seguir. Nada mais quer desvendar dela… já é perfeita para além de qualquer rosto, corpo ou volume. É um ícone de maravilha humana! Canta, dança-se no soalho; a sua mente é um turbilhão organizado mas de regras firmes.

Naquele dia escutou-a chegar de peso maior sobre os seus pés do cansaço de um dia como tantos outros, laborioso e agitado. Aqueles saltos altos que a calçam foram lançados para longe num gesto de irritação. Descalça, passeou-se de um lado para o outro da casa, perturbada, indecisa, febril. E então ouviu-a sentar-se… talvez a chorar. Silêncio morto. Que desespero; levanta-se a custo e faz os pés roçarem o chão com dificuldade. Logo depois detém-se e balouça um desespero. Sozinha em casa como sempre, só ela e seus passos verdadeiros e seus. Ele a escuta, ele está ali junto dela sempre, ele a poetiza nos seus livros de poesia intermináveis e famosos. Sente-a em si com tamanha força que sabe não poder mais viver fora do seu palmar. Tudo gira em torno dela… espera-a à hora habitual, preocupa-se com atrasos, inveja os sapatos apaixonados que a visitam e sente as suas lágrimas serem suas. Musa! Sentindo-a solitária, num gesto rápido vai ao encontro do seu caderno de poesias; escolhe o melhor… depois de o passar para um papel acetinado e perfumado, sorrateiramente, como de si o seu génio, o deixa debaixo da sua porta. Bate com vigor e foge! Espera a resposta já no piso inferior do seu recanto escondido de vida uníssona à dela. Ela dirige-se à porta num passo nervoso de estranheza e vê aquela carta… abre a porta e pára quieta. Devagar a fecha sobre si e em curioso caminhar, lê. Espantosamente… silencia. E sai porta fora… Sente os passos dela decididos a acercarem-se da sua porta! O coração dispara! Repete-o no toque na porta e corre… Maravilhosa sensação! Um poema dele, de um dos seus livros debaixo da porta, esticada preguiçosamente para ser lida… poema deles! Perfeito e Lindo! Amar sem olhos!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Mulher


Na delicadeza desenhada com perfeição e extrema minúcia se desenham aquelas mãos finas, delicadas, aveludadas, brancas e ágeis que penetram naqueles cabelos luzidios de um sol natural interiorizado que vai em doçura maior sobre os ombros as ondas daquele mar negro que escorre até às costas magras mas cuidadas pela natação e jogging. O olhar lança uma faísca azul água sobre aquele outro assexuado masculino que de lace de charme a observa estonteado. Naquele azul coberto de umas pestanas longas e semelhantes às mais aderentes patas de aranha, cobertas pelo melhor rímel, pela melhor maquilhagem, pelos lábios carnudos, rubros, apetitosos, ardentes e loucos desenha com a sua língua um apetite instintivo do mais puro sexo. Na fissura daquele língua ameaçante desliza um dedo maravilhoso naquele tacto excitante de prazer. Aquele top vermelho justo deixa antever o espectáculo que por seu interior se oculta… uns seios agora a descoberto, grandes, hirtos, impecavelmente espetados contra qualquer lei da física. Pele suave, tratada, perfumada, delicada, ligeiramente bronzeada onde se desenha ainda a linha do biquíni do tórrido Verão passado. Pequenas linhas triangulares que cercaram aquele auge saliente de um mamilo erecto e delirante, naquela cor rosada preferida, chamando a si uma boca máscula, dura e sagaz. Percorre ainda naqueles dedos esculturais a linha do seu umbigo, do seu abdómen, bem traçado, musculado, definido, brilhante de um óleo afrodisíaco. Aquela saia negra delineando aquelas curvas femininas apetecíveis cai agora sobre os pés cuidados e de verniz vermelho sobre as unhas tratadas e limadas. A respiração acelera… aquele homem transpira ao vê-la; cada vez mais faminto, mais louco, mais quente, mais excitado, mais erguido… Ela sorri! Hum… loucura! Dentes brancos, hálito fresco, pastilha de menta… mastiga. Aquelas pernas altas, trabalhadas, desenhadas, morenas, depiladas movimentando-se lentamente num bailado rouco de febre. Ela sente-se humedecer, nos seus braços toma os cabelos negros e brinca com as madeixas que lhe devoram a cara, desconcertados. Ela mostra a sua porção inferior de lingerie, transparente, rosa-choque, rendado, com imagens desafiantes e balouça-se naquela anca arredondada e fêmea que se cruza num rabo cheio, livre, empinado, círculos aconchegados entre si por um sulco que reclama cuidados fortes e viris. Sem mais a tanga voa, naqueles perturbadores minutos de suspense na sua retirada. O homem sente o seu pénis desencurvar num traço vertical de erecção antecipada pela penetração tardada. Hum… quero-te! Ela, nua e mais bela que nunca, acerca-se dele e beija-o com delonga, onde as línguas se absorvem em gestos rápidos de procura imparável de satisfação. Ela sente-se excitar cada vez mais… húmida… irresistível! Senta-se sobre ele, abrindo ambas as pernas no gesto mais desafiador e perturbador de pedido de prazer que pode haver. Ele acelera, louco, excitado. Ela arranha, crava as unhas nele enquanto o beija com a maior devoção. Lambe-lhe a orelha, respira forte e delirantemente… ele arrepia e estremece… ela contorna os seus ombros musculados com aquela língua mágica sobre os mamilos sobre o seu peito, massajando os braços com garra maior e desce com seus dedos ao pénis grosso e grande e erecto e explodindo de sangue até os ter entre as suas mãos e o endoidecer mais e mais… A sua boca ajuda agora num oral magnífico, onde mãos e boca se misturam numa delicia de cuidados, salivando, lambendo, estimulando em movimentos de vaivém aflitivos, vontade de engolir, de ter, de possuir… desejo! Ele contorce-se de prazer louco e está no limiar do extremo. Ela pára percebendo. Retira-lhe as calças com ânsia e sobre ele se abre numa penetração brusca e sem dor. Ela agita-se sobre ele, suando, quente, num sobe-desce gostoso… ele reclama mais, beija-a, deseja tê-la toda ali, comê-la! Hum…. Ela geme mais e mais… agita-se mais e mais vigorosamente, ele reclama por ela, abraça-a nos seus braços fortes, ela cede, arranham-se, mordem-se, acolhem-se e eis que ambos estão no auge do clímax… mais, mais… força vigor, excitação máxima, mais beijos, respiração forte e ofegante, paixão no limite, ele agarra-lhe os seios, apalpa, puxa-a, ela vai, mais e mais… grita!!!! Ele também!!! Orgasmo!!!!!!!!!!!!!!! Hummmmmmmmmmm Bom para ti também? Hum….:)

Oculto


Na calma aparente de um olhar se desenha o corpo de um febril invisível sobre aquela que no passo quatro se esvai em emoções. Sem saber quando rir, gargalhar, chorar, gritar, soluçar, amar, vive do tudo e do nada. Apegada a um sonho longínquo e gigante vê na sua mente imagens abstractas e puramente criativas de Cristo pregado na cruz, rochas áridas, sulcos, torres fantasmagóricas naquele que é o seu íntimo irreconhecível por todos. De uma altivez que nunca será sua, vai rastejando naqueles dias eternos onde a utilidade fugiu e o respirar se torna cada vez mais insuportável. Mas não se esquece da sua máscara e veste-a nas mais exaustas aflições. Provoca suspiros, poucos, espanto, gracejos, muitos, desamores, paixões, várias, réplicas humanas, invejosas, previsões erradas de antevisão de si e do seu ser actuante, amizades, raras, amores, nulos, simpatias, imensas. Na sua fingida redoma desacreditada, ali está apenas um ser fraco, frágil, emotivo, triste grande parte das vezes, lutador pela tentativa de se manter vivo… um ser construído do segundo que vitoriosamente teima em manter-se vivo a despeito pela desconsideração que vê erradamente nos outros. Sabe que sua passagem tem e deseja ser breve, mas ainda assim invade-a a vontade de mostrar a sua unicidade e singularidade, não esquecendo, antes do “adeus” eterno de deixar o seu testemunho, o seu traço, as suas mãos, o seu cérebro, os seus cabelos, o seu sorriso, a sua estranha forma de ser e se relacionar com o mundo, a sua idiossincrasia tão fina e estranha, o seu fumo, o seu sabor, o seu olhar fundo e profundo, o seu mar, o seu labirinto, a sua alma, a sua batalha, a sua infelicidade, o seu cheiro, a sua rotina, a sua voz… o seu encanto soterrado. Assim insiste em deixar o seu total na memória de pessoas vulgares e simples e tristes e clamantes e rústicas e fugazes e sonhadoras como ela. Mantém-te… Aguenta… mais um segundo, mais um minuto, mais uma hora, mais um dia, mais um mês, mais um ano… Por ti ou para ti? Para os outros gigantes no seu coração pequeno e descompassado de uma efervescência de vida indesejada e desadequada a si. Quem é ela afinal? Ninguém! Não se vê, não se percebe, não fala, não se exalta, não grita, não respira, não magoa… indiferente! Ténue véu de um passado que as memórias armazenam e que dão da sua graça em momentos oportunos. Embora não exista, embora a sua beleza e encanto sejam voláteis, embora ela seja vapor, embora ela seja a fusão com a natureza, embora seja o ar primaveril infiltrado em todos e nenhuma narina… está aqui… perto de todos, indiferente a nenhum, critica em relação aos demais, naquela voz doce e finíssima que se instala em cada ouvido irritado. Mas é doce e fingida, alegre e triste, rude e princesa, lógica e estranha, amadora e artista. Não vale a pena tentar entender… demais… deixá-la!!! É livre? Não! Mas quem disse que a liberdade existe aqui nesta bola azul em que todos rebolamos cegos e surdos e loucos e pobres e inertes? Pois que ela não é mais que o extremo da curva normal, a estatística falhada, o cálculo errado, o tropeço da geometria, a desgraça da economia, o falecimento da psicologia. Quem a assemelha? Todos! Sintam na pele a sua presença… persegue-vos, é tão viscosa! Ela metaforiza-te e dá-te nome quando tu lhe perguntas o que sentes e ela te diz roucamente no ouvido a designação a dar a cada emoção. E porque ela é tão sabedora assim? Porque já viveu e vive tudo o que na criação humana existe de irracional, categorial, filosófico, humanista, antropomórfico, antítese e suspense. Vê-la sempre quando te olhas ao espelho ou te acercas da água de um riacho. Mas alguma vez te perguntaste o que estava ali a fazer contigo? Não! Se é ela a criatura que sustém em si todas as maravilhas e maldades do mundo… Na sua magnificência sofre tal crueldade ser igual à soma de todas as partes que compõem a humanidade ou desumanidade na Gestalt de um só quadro que pinta e escreve desinteressada de seu valor naquela manhã cinzenta de estrelas caídas sobre um sol cintilante de Inverno vespertino. Confusos? SOMOS!!!...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Cores do Vento









Tu achas que sou uma selvagem
E conheces o mundo
Mas eu não posso crer
Não posso acreditar
Que selvagem possa ser
Se tu é que não vês em teu redor
… teu redor…

Tu pensas que esta terra te pertence
Que o mundo é um ser morto mas vais ver
Que cada pedra, planta e criatura
Está viva e tem alma, é um ser.

Tu dás valor apenas às pessoas
Que acham como tu sem se opor
Mas segue as pegadas de um estranho
E terás mil surpresas de esplendor.

Já ouviste o lobo uivando no luar azul
O porco e o lince com desdém
Sabes vir cantar com as cores da montanha
E pintar com quantas cores o vento tem
E pintar com quantas cores o vento tem.

Vem descobrir os trilhos da floresta
Provar a doce amora e o seu sabor
Rolar no meio de tanta riqueza
E não querer indagar o seu valor.

Sou a irmã do rio e do vento
A garça, a lontra são iguais a mim
Vivemos tão ligados uns aos outros
Neste arco, neste círculo sem fim.

Que toda a árvore tem, se a derrubares não sabe ninguém
Nunca ouvirás o lobo sob a lua azul
Que é que importa a cor da pele de alguém?
Temos que cantar com as vozes da montanha
E cantar com quantas cores o vento tem.

Mas tu só vais conseguir esta terra possuir
Se a pintares com quantas cores o vento tem.

Susana Félix

Eu não sei parar de te olhar









É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre.

É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua.

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de te olhar
Não sei parar de te olhar.

É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem comenta maldades
Há quem não saiba dizer a verdade.

É isso aí
Um vendedor de flores
A ensinar seus filhos
A escolher seus amores.

Ana Carolina e Seu Jorge

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Regras de Beleza Feminina e Bom Viver


·






  • Acordar não mais que até às 9h da manhã todos os dias;
  • Deitar não mais que até às 23h da noite todos os dias;
  • Dormir 8h diárias, no mínimo;
  • Nunca dormir durante o dia;
  • Fazer ioga das 22h30 às 23h;
  • Correr 1 a 2 dias por semana;
  • Andar de bicicleta;
  • Fazer levantamento de pesos (até 2kg);
  • Andar muito a pé, todos os dias;
  • Fazer jardinagem;
  • Dedicar algum tempo para si, em local tranquilo, de preferência em contacto com a Natureza para reflexão, todos os dias;
  • Fazer meditação;
  • Fazer análises ao sangue de 6 em 6 meses;
  • Beber muita água;
  • Comer muitos legumes e fruta;
  • Comer mais peixe que carne;
  • Preferir carnes brancas a carnes vermelhas;
  • Evitar as frituras e os doces;
  • Beber leite de soja;
  • Beber chá após o jantar;
  • Não passar mais de 3h sem comer;
  • Lavar a cara antes de deitar;
  • Bochechar líquido dentário de manhã e ao deitar após a lavagem dos dentes;
  • Lavar os dentes 2 a 3 vezes por dia;
  • Limpar as fossas nasais, todos os dias ao deitar, com soro fisiológico ou água do mar;
  • Usar, sempre que possível, produtos naturais em champôs, sabonetes, etc…
  • Colocar máscara capilar 1 vez por semana;
  • Limpar a pele de impurezas com água de rosas;
  • Colocar máscara de argila no corpo e/ou rosto 1 vez por semana;
  • Hidratar a pele do rosto ao acordar e ao deitar;
  • Esfoliar os pés, todos os dias;
  • Manter as unhas das mãos e pés sempre impecáveis;
  • Usar maquilhagem de rosto discreta e favorecedora das melhores características, nomeadamente os olhos e lábios, intensos, brilhantes e sedutores;
  • Usar roupa adequada à actividade profissional, nunca esquecendo de favorecer as melhores características corporais e disfarçando as piores; manter sempre um toque feminino e sensual;
  • Usar calçado sempre bem engraxado e feminino;
  • Manter uma postura correcta, firme e confiante ao andar e sentar;
  • Usar perfume fresco no Verão e perfume doce no Inverno;
  • Fazer a depilação de todo o corpo 1 vez por semana;
  • Descoloração de todos os pêlos visíveis, sempre que necessário;
  • Bronzear o corpo, mas não excessivamente; usar sempre protecção solar;
  • Ler o jornal e/ou ver o telejornal todos os dias;
  • Ler durante as viagens e/ou aos fins-de-semana;
  • Ler e poetizar;
  • Tocar algum instrumento musical;
  • Pintar quadros e telas;
  • Fazer voluntariado uma instituição pelo menos 1 vez por semana;
  • Limpar a casa 1 vez por semana;
  • Contar mentalmente até 10 antes de responder perante uma situação problemática ou difícil;
  • Ter uma agenda sempre à mão com as tarefas a realizar em cada dia.

06/05/2009

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ânsia de fugir


Cabeça jogada sob as pernas, enrolada sobre si naquele lugar negro, fechado, de quatro paredes sufocantes a aspirarem-na divertidas. Contendo o choro, aquelas lágrimas que gritam por liberdade, tal como ela, mas que perante força maior se viam confinadas ao mesmo espaço. Naquele chão frio sentia a sua pequenez, a sua vulgaridade, o quanto tinha sido esquecida por todos que ontem a amararam, a solidão a rasgar-lhe o peito, a corroer a sensatez… Olhando em seu torno uma résquia de luz atravessava tenazmente os recantos quadrados de uma porta de metal férreo. As janelas inexistentes faziam-na encolher-se de asfixia. Sentia o seu coração a pulsar forte, as mãos magras e cálidas trémulas, a respiração irregular e insatisfeita. Sob a mesa solitária junto com uma provisão de cama, estendiam-se folhas rasgadas, riscadas, escritas em palavras medrosas e repousavam-se agora, à espera dela, à espera que os seus sentimentos as preenchessem novamente sob a luz ténue de um candelabro. Nas paredes pintadas toscas de tentativa de um pedido de socorro, falando pela voz calada dela, reclamavam por mais cor que, deliberadamente, optara por se abster. Num chão um prato, um copo, um tacho e uma colher… a música improvisada que dão a fazia voar para outro lado distante: havia nela pelo ar aves cortando o tecido azul dos céus, haviam árvores estendendo os seus braços ao sol quente, havia chuva a salpicar a sua face rosada, flores colorindo a sua íris e um espaço rodeado de mar salgado, ondulante, vigoroso, rodopiante dos sentidos. Era livre quando seus olhos ignoravam o escuro e enclausurado pequeno mundo seu.
Coberta pelos seus cabelos densos, negros e compridos, num vestido encarnada encardido usado, rasgado, desgastado pelos quinze anos de enclausura, olhos verdes cabisbaixos, semicerrados, gesto singelo e jovial… belo e magro, era ela, Isabel.
Ouvindo passos rápidos pesados, ergueu-se de solavanco e zombeteira aguardou. Sabia que era o fim do mártir. A abertura daquela porta ronceira nunca tinha imaginado vir a ser tão dura. Os seus olhos ardentes perante aquela luz que lhe batia com rudeza, fê-la socorrer-se do grito de dor. Cambaleante rastejou-se naquele imenso corredor azul claro e brilhante até sentir uma mão que a empurrou, rudemente para outra sala. Desta vez, carregada de cores, de requinte, ladeado por muitas pessoas esbeltas, perfumadas, saturadas de pó de arroz, fingindo alegria ímpar e cuidando do seu vestir, do seu calçar, da sua pele, da sua maquilhagem – ultrajes mascarados. Num gesto calmo e clamante, lhe tiram as vestes sujas e a fazem deitar-se naquela água esfumada e impregnada de sais aromáticos. Do seu cabelo cuidaram e cortaram e sua pele pintaram de alguém que não era ela. Instruíram-na a usar do seu sorriso e a falar jamais. Num vestido branco acetinado descrevendo as linhas curvas do seu corpo foi adornada com brincos de esmeralda, pulseira de diamantes e correntes de ouro pesadas sobre o seu pescoço mole. Desconfortável numa prisão de luxúria sorria àqueles que a vieram ver e festejar. Sorrisos falsos, olhares incisivos e reprovadores, posturas erécteis e rígidas, a mesquinhez dos comentários mordazes perante uns e outros, a inveja da beleza e sabedoria, a ganância, os bolsos carregados de dinheiro imundo, o tactear do solo aqueles saltos pontiagudos roçando a aspereza daquela outra e demais prisão, tão ou mais deprimente que a primeira. Ignorada agora e reprimida, fugiu para um canto embalando-se da maldição daqueles dois mundos sempre seus… incessantemente seus. Haverá escape? Gritou por papel e lápis. POR FAVOR! Acederam, a custo, ao seu pedido tão pouco elegante. Cobriu a sua pupila daquela pálpebra branca e pintou-se longe dali. Cabelos soltos em fronte aquele vento que Deuses de Amor lhe sopravam, fazendo cintilar as madeixas cobertas de brilho num rosto moreno rasgado pelo verdadeiro sorriso naqueles lábios rubros numa finura gentil e perfeita. Naquele lago de água límpida e doce, seus pés pequenos e descalços chapinhavam com ânimo próprio enquanto o verde e perfumado das flores e plantas cantavam com ela um cântico de um hino antigo de prazer pela vida. Num barco improvisado deslizava-se por aquele rio manso em ondulações gentis para um bom embalar. As aves, os animais selgavens junto dela em círculo exaltavam-na como o centro do seu universo, acercando-se na esperança de uma carícia mergulhada naquele olhar profundo e perdido de querer. Saltitando naquele campo enlameado, dançando despreocupada e nua olhando o céu com encanto e soltando gargalhas sinceras… Uma cabana modesta, árvores de fruto adocicados em seu redor, uma cama de rede, o pôr de sol ao fim da tarde, aquele livro aberto em seu regaço e o consolo da dádiva de por fim assim viver… nos seus sonhos mais profundos e invioláveis. Jamais abrirá os olhos àqueles mundos que de extremos se igualam na miséria. Criou o seu espaço ilusório e foi livre!

30/04/2009