segunda-feira, 29 de junho de 2009

Se não mais sonhasse


Me apartariam o ar

A sólida postura

O guia seguro

O aspirante suspirar.

O doce abrigo

O refúgio d’amargura

O sorriso fingido

A prece afundar.

A ânsia vindoura

A beleza espalhada

Os dias em ruptura

Frágil embalar.

O coração inflamado

O sopro invertido

O olhar despido

O brilho reflectido.

O pilar erguido

O caminho percorrido

O plano estendido

O gozo bandido.

O cedo recomeço

A lágrima apagada

Projectos sorrindo

No dia alegrado.

A palma estendida

O tapete encarnar

Escalada gloriosa

Até amor alcançar.

Alma nutrida

Coberta de chama

Pelo amanhã reclama

O que hoje obtenha.

08/06/2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Abismo


Ali se encontra ela, aquela que ninguém vê mas sentem comichosamente na pele e a repelem com enojo, para que rápido se afaste, pois que atrapalha demais. Sozinha e entregue apenas a si mesma ao seu corpo e presença oculta, fronte àquele precipício rochoso e extremamente elevado, onde a profundidade é ameaçadora e chamativa para ela. Por não raras vezes vai até àquele local no limiar de si e das suas resistências e assim fica parada, a balancear, enquanto recorda em flashback a sua passagem de vida, naqueles seus 25 anos tão amadurecidos e calejados. E pensa e reflecte que afinal, sempre lutou por ideais desadequados ao mundo e que jamais se conseguiu fazer compreender e/ou conquistar a compreensão de qualquer alma transitória que desfilasse, algures no seu passado, diante de si. Revê a sua família, o amor esperado nos rostos deles e depara-se com frustrações e injustiças. Repara que por si amizades muitas experimentara mas que cedo se desvaneciam num instante estranho em que deixara de ser útil, deixara de animar quando, erradamente, num momento abrira a boca para se revelar nas suas mais internas, puras e desvirtuosas características. Reparara que à sua volta todos, com o passar das primaveras, habitualmente mais quentes e agradáveis que as suas, se alteravam para alguém que cedo se desvirtuava aos seus olhos, naquela análise minuciosa de caracteres e valores humanos que a custo seguia à procura de algum doce… embora, na maioria das vezes, sentisse a amargura… Mas ela permanecia a mesma por opção própria, por tenaz persistência nos seus concretos esboços de personalidade e unicidade. Era infeliz pelo isolamento e por se sentir presa a um percurso vivencial que não lhe fazia qualquer sentido. Entregue a si, sempre, escalando os mais altos picos e caindo dos mais altos cumes até ao chão grosso e rude tantas vezes se feriu que, agora, ali diante do seu término, notara a sua tão baixa utilidade e retorno de satisfação. Na dureza lutar para o nada conquistar? De que vale permanecer aqui afinal? Chorando aquelas infinitas lágrimas que a toda a hora se produzem naqueles olhos amarelados e rubros, semicerrando-os, se deixara voar naquele abismo sentindo que asas nela se criavam e se faziam agora esvoaçar sob planícies belas e calmas onde, lá em baixo, a acenavam com amor, onde toda ela era liberdade, felicidade, ânimo, reconforto, paz, tranquilidade… Desejava assim permanecer eternamente naquele balouço abebezado, ao som de aves em torno dela melodiando a 5ª Sinfonia de Beethoven enquanto o ar roçava nos seus cabelos loiros cobertos de ouro real de uma grandiosidade que nunca antes vira em si! Não me acordem jamais! Sou agora andorinha num sono maravilhoso onde o amor, afinal, reina e a paz impera sem ameaça de derrocada! Me embalem que tanto preciso de sorrisos! Um fruto me darão amadurecido após as queimaduras arrependidas do Sol! Merecido!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Almas Gémeas


No silêncio que esvazia a minha mente e deixa flutuar uma alma inquieta, estou junto a ti naquele instante em que logo depois desapareces e te acercas de quem não sou eu e a beijas pensando em mim. Pois que nada do que é meu é teu e viveremos neste labirinto cruzado onde, por maiores riscos, em momentos nos cruzaremos, em momentos de amor e abraçaremos a luz que é una para ambos. Triste a vida separar as almas que sempre, ao longo de vidas múltiplas se completaram num só pela fatalidade desta realidade que não fará de nenhum de nós mais felizes na ausência um do outro. Saudade em te ter quando nunca te tive e desejo há em te ter. Que é isto que me apavora, que é irreal, que jamais julguei possível, que jamais julguei sentir? Antes de ti existe outro que penso mais do que em ti… mas é em ti que penso na dor que bate no peito ao amanhecer, quando os olhos espreguiçam e se encontram ainda naquele limiar entre o sonho e o sono… és tu que estás lá a rodear todos os meus pensamentos tumultuosos que sempre criaste… és quem nunca apontei, nunca admiti, nunca aceitei como parte de mim… mas para quê continuar a negar-te a presença omnipotente que crias em mim? Hoje tudo clareou, hoje ouvi-me mais e lá dentro haviam gritos chamando teu nome… assustador ao início, mas claro e óbvio no fim. Como te pude esquecer quando afinal sempre me lembrei de ti? Porque não te quis? Tarde demais agora quando o vento te empurrou para o abismo branco da pureza do amor desigual. Pois que pesa mais para ela do que para ti, pois a mente e alma sempre será minha e sei que acreditas que acerto. O corpo podes dá-lo a quem desejares, apenas e só ele… quando comigo irás caminhar lado a lado sem nunca nos vermos até ao fim dos dias. E sei que te verei não raras vezes e mergulharei nos teus braços meigos e por lá permanecerei desejando parar o tempo e o muro do real; e saberei que serás meu, no total, por breves instantes mas que esses serão os mais ricos das nossas passagens. Seremos unos e um só, tu aí eu acolá. Perdão evitar pensar-te quando em ti sempre estive e quando em mim sempre estiveste guardado naquele local escuro que não consigo lá chegar sem tropeçar e cair. Perdão por fazer-te encontrar saídas melhores para os teus passos, um porto mais seguro, pois que sempre verificaste que em mim nunca terias a serenidade e paz necessária para prosseguir. Foste sapiente e jamais te censurarei. Mas deixa-me chorar enquanto posso, nesse dia negro. Mereces muito. Noutra vida te darei isso e mais, mas nunca me peças além de um minuto de mim e todas as pulsações do meu pensamento. Te saciará? Sei que sim quando te satisfaz o amor reprimido mas finalmente reconhecido que sempre foi amarrotado entre aquelas paredes invisíveis que guardo em mim. Tua felicidade em mim se reflectirá. A sintonia haverá e as coincidências jamais estranhas existirão para nos comunicarmos e nada mais faltará à nossa plenitude. Estarás em mim nos braços dela e estarei em ti nos braços dele, conscientes dos elos que nos ligam além físico e percebido.

domingo, 7 de junho de 2009

Grito


Silêncio

O silêncio faz o grito

Que o corpo todo me dói

Deixai-me chorar um pouco!

Sombra assombrar

Ao céu todo bonito

Sombra assombrar

Já lhe perdi o sentido

Oh céu!

A quem me falta a luz

A quem me falta uma estrela

Choras de morte

Quando se vive atrás dela – eu!

A quem o sol esqueceu

Sonho que o mundo perdeu

Vou chorar agora

Porque quem morre já não chora!

Solidão

Que manhãs passa inteira

Há sempre uma companheira

Uma profunda amargura!

Ah solidão!

Quem fumas escorpião

Ai solidão!

E se morder à cabeça

Oh Deus!

Já fui para além da vida

Do que já fui tudo cedo

Sou sombra triste

Encostada a uma parede

Oh Deus!

Vida que tanto duras

Vem morte que tanto tardas

Ao como dói, a solidão

Quase a loucura!

Amália Rodrigues