domingo, 27 de abril de 2008

Memória dos Antepassados


Baloncei-a, de olhos entristecidos e amadurecidos pelos quantos ares de uma vida passada, onde a erosão da juventude se precipitou num estático pousar, onde todos os minutos são horas infinitas. Surgem, aos tropeços, memórias, algumas vãs, outras ainda muito reais, de uns tempos que só de lembranças vivem… Um abraço e carinho ternos dos pais, que de Amor acariciam o joelho ferido de mais uma correria desenfreada contra o infinito da existência. Um primeiro Amor, tão derradeiro, tão passageiro, tão deliciado, tão marcante… um primeiro beijo tímido, escondido por entre os arbustos, o medo da descoberta, a fantasia da Felicidade Eterna naqueles breves instantes. Casamento, de bodas pobres, o regalo de um pão tosco e amadurecido. Um amor que de anos nutridos, em sementes semeia e dá à luz os filhos… que Amor maior há no mundo senão a dos filhos! Choramingando, em braços embrulhados, naquelas noites eternas e escurecidas onde só mãe e filho comungam da existência sempre próxima e enlaçada um do outro. Crescem com a rapidez de uma chuva de estrelas e alegram gentes, com risadas puras, tão contagiantes… tão internamente sentidas. Exploram, choram, de novo sorriem, abraçam e resmungam, adoecem e rejuvenescem - tão lindas criaturas de um querer uno de pais. Crescem, se evidenciam, abarcam um terreno de vida, um traçado só deles, com o olhar sempre atento dos pais, aflitos… e vivem… e casam e o ciclo de vida se perpetua, de gerações infindáveis, de expressões equipares, de gestos e comportamentos de um tetra-avô, quiçá!
O tempo voa como pássaro em constante rodopiar e balonceia, em altos e baixo, naqueles pontos fulcrais da nossa missão no mundo. Tempo de soluçares, de prantos, de alegria, de desespero, de aprendizagem sem fim ante o final prior.
Caminha até à janela, daquela casa agora sem vivalma, onde o silêncio é amigo e único companheiro, e vê por detrás do vidro o nada do que fora uma civilização e comunidade tão unida e ombreira, onde vizinhos se juntavam nos serões e de palavras falavam, riam, torçavam, invadiam, comentavam… Agora, de tempos sempre iguais, lamenta o que fora e o que é. Uma vida se esvai e decai, com peito lacrimejado, uma solidão sem palavras pronunciada, recordações de horas amargas e doces, de erros cometidos, faltas, boas acções, apertos de mãos, serventia e mãos calejadas em rostos transpirados do ganhar o dia. Será a fome o que une as pessoas? Que mundo é este agora? Quem sou eu? Já me desconheço… espelho reflecte outro olhar, outro semblante, outra expressão… Para onde te levaram, minhas alegrias? Vos peço, me levem com vocês! “Não chore, existe um Destino a cumprir, por mais doloroso e injusto que seja… faça a vontade Divina, será mais tarde recompensada!”
De olhos postos numa janela, cabelo branco e fragilizado, escuta a música do vento, as cores que dele se reflectem, o soar das folhas em árvores, aves rompendo os ares… Que vês? Cores de tão vivas de flores tão várias, ar puro se sente, rompendo com esforço as entranhas das portas, trancadas e amedrontadas… Pousas tuas mãos em teu rosto, na tua pele quebrada e inerte, e choras junto com teu silêncio, as saudades de tempos idos, de alegrias vividas, de corações apertados, de apoio de todos, de um romper de gargalhadas ecoando em teus ouvidos ensurdecidos. Que razão dar à passagem, à oferenda da vida? Seremos apenas peças de experimentação da dureza da vida, seres encomendados por Ele para nos testar e ver até que ponto conseguimos chegar, como se a vida fosse maratona, em correrias vivida, sem sabor. Ou seremos privilégios, que fomos escolhidos para este milagre de viver, que temos oportunidade de respirar, de envelhecer com a alegria do acontecer, com a oportunidade de sermos alguém, de sentirmos os sentimentos mais variados, massajando ou comprimindo o coração, reflexões sobre cada acto mal dado, a angelicalidade de nos cruzarmos com seres de Amor, de nos pintarmos da cor que mais apreciamos e permanecermos assim até nova escolha…
Natureza, porque sorris para mim, envelhecida e sem encanto para de ti me assemelhar e aproximar com igualdade? Libertas odores renováveis, enfrentas tempestades, curas cicatrizes que os homens te causam, sem piedade. Imparcial, de novo saúdas sempre com mensagens de cautela, de ternura, de amor sem limites. Que represento eu para ti? Um vago perfil negro de luto? Ou o que a alma nunca esquece e a mente nunca destrói – as recordações? Serei eu legado de lembranças felizes, de ensinamentos, de lacunas passadas saradas, serei eu o teu reflexo? Pertenço-te? Serei eu tua voz, teu membro, teu corpo… tua variante? Me levas para ti os que mais quero, prometendo, num beijo doce, voltar a rever os que já se foram das missões cumpridas. Minha irmã, me abraça, um carinho me afaga as lágrimas, me envolve em teu manto, me cobre de sussurros, me abre a mente, me deixa viver do que tenho agora… do presente que subjaz o passado bom!
Traçarei minhas marcas na tua terra e tu irás saber ensinar aos que vêem em seguida, o legado da minha aprendizagem. Semeia-me com ajuda da brisa, planta-me em porto seguro, me deixa sorrir para mais tarde chorar, me deixa errar para depois acertar, me deixa amar para depois recordar, me deixa agora aqui contigo, sozinha, contemplando teu sempre encanto, que por mais anos que passem nunca esmorece. Bela como tu, sou e serei… em fotos recordada, em palavras escritas, em corações trazida por tantos quanto souberam o quanto uma existência é bela, do início ou fim. Termo de glória e vitória! Cumpri meu legado! Recorda-me… nos meus antepassados!
27/04/2008