sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Artista








Quem não dá a boca ao mundo
Se cala à mundana miséria
D’uma alma só, encobria
Sentir o carpidar fundo.

Se envolvia no pincel amado
Traçando mundos de fantasia
Evadir-se da suja tirania
Vivendo num sonho ansiado.

Libertar as palavras do imundo
Vida em sentir difundia
Dor e glória dormia
Em traço vário e surdo.

Pois que o real num gemido
Anseia libertar a vitória
Que de luta inglória
É sublime artista elegido.

23/01/2009

Deus









Escutando em sinais
O vento que sussurra
O jogo de vogais
Que a mente segura.

A sol que iluminais
Abraço que ampara
Sonho que fortificais
Ventura a quem chora.

Agradecida do total
Embalada num ideal
Amigo de maior ternura.

23/01/2009

Por fim


Voz surda
Lágrima muda
Lava-me a alma
Arranca a chama
Que por fim apagou
Onde o sonho voou
Levando de mim
O pilar de marfim,
A esperança luzidia
A alegria fugidia
A palavra escondida
A valentia perdida.
Pois que sou pouco
Diante de ti, heróico
Mas de ilusão esperei
Doçura igual empenhei.
Ninguém por anos vive
De soluçares que contive
De suspiros sem ar
Sem poiso ou lugar.
Espera sem razão
Cega de coração
Pois só quem o possui
A sorte sorriu.
Condeno meus erros
Mil perdoes te imploro
Querer ter-te sem pedir
De um nada sorrir.
Sangra porque é golpe
Num peito a galope
Marcha lenta pacificada
Numa morte estimada.

22/01/2009

sábado, 17 de janeiro de 2009

Recordação









Sinto o teu cheiro
No ar disperso
No vazio companheiro
No silêncio intenso.

Chamo pelo teu nome
Praguejando recordações
Teu sorriso atrai-me
Para um abismo de ilusões.

Ansiado encontro
Por décadas submerso
Sentimento parceiro
Num suave repouso.

Sombra segue-me
Vulto de perturbações
Tua presença invade-me
Num ciclo de prisões.

17/01/2009

Futuro









Decai gravemente
Em surdo estalar
A rocha peninsular
A virtude a rasgar.

Olhai futuramente
Quem ocupa o lugar
Quem num cedo despertar
Esqueceu-se de voar.

Vazio embelezamento
Moral em coro profanar
E à decadência uno lutar
Sem um nada alcançar.

Amai perdidamente
Há ainda tempo a ocupar
Com boas obras triunfar
Com união, enfim, conquistar.

17/01/2009

Acreditar










Se acreditardes que podeis voar,
Nascer-vos-à asas prateadas angelicais.

Se acreditardes que o tempo vai perdurar,
Vereis tudo parar nas horas triunfais.

Se acreditardes que sois reis a determinar,
Coroa dourada em vós adornais.

Se acreditardes que possível à morte escapar,
Fecharás os olhos e verás quem mais amais.

Se acreditardes que anjos há a amparar,
Podeis crer que em obstáculo algum cambaleais.

Se acreditardes que no mundo há quem amar,
Verás diante de ti apenas seres celestiais.

Se acreditardes em vós, no vosso caminhar,
Sereis donos do sonho que por mérito guiais.

17/01/2009

Anjos











De igualdade velam
Os que penam em vida
Paz em gestos revelam
Comum grandeza escondida.

Vulgares, esquecidos,
Mendigos, vagabundos,
Vagos em aparência, despertos
Em toda-a-parte atentos.

Desvenda os que passaram
Por ti, alegria devolvida
D’um nada desapareceram
Sem razão, saudade sentida.

Nas suas asas envolvidos
Em viva-amor arrebatados
Seus olhares encobertos
Na crença da salvação, perfeitos!

17/01/2009

Eu não sei dizer








O silêncio deixa-me ileso,
E que importância tem?
Se assim tu vês em mim
Alguém melhor que alguém.
Sei que minto
Pois o que sinto
Não é diferente de ti.
Não cedo.
Este segredo é frágil
E é meu.
Eu não sei tanto sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas
Que fazem chorar.
Quem te disse coisas tristes
Não era igual a mim.
Sim, eu sei que choro,
Mas eu posso querer
Diferente para ti.
Eu não sei tanto
Sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas
Que fazem chorar.
E não me perguntes nada
Que eu não sei dizer...

Silence 4

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Vida Efémera


Luís de 35 anos, casado com uma bela, maravilhosa e virtuosa esposa, com três filhos, a Ana de 2 anos e o Rui de 4 anos, eram o antídoto de uma vida paralela, stressante e de esforço sem recompensa inesgotável, no seu local de trabalho – uma prestigiada empresa. Desejava ser o presidente daquela empresa, desejava-o tanto que fazia todos os possíveis para se destacar, mesmo que para isso tivesse de abdicar de alguns prazeres no seu tranquilo lar, junto dos que mais amava, dos pais que o continuavam a visitar festivamente e a amar incondicionalmente.
- Pai, quando terminas de fazer a casa de árvore?
- Pai, ajuda-me a fazer o presépio de Natal…
- Luís, vamos tirar umas férias no campo com os nossos filhos, todos reunidos, em Julho deste ano, como nos bons velhos tempos?
- Meu filho, aparece lá em casa… Eu e o teu pai morremos de saudades tuas…
As respostas de Luís apenas suscitavam tristeza, revolta, indignação, pois que ele para alcançar o seu alto sonho não tinha tempo para proporcionar Amor e Felicidade a ninguém. A casa de árvore nunca foi construída, o presépio de Natal, por vários anos seguidos, era enfeitada na sua completa ausência, as férias nunca chegaram a acontecer, nem os acampamentos, nem a praia, nem os prazeres mundanos oferecidos pela vida foram notados por Luís. Anos passados e tudo mudara sem que se apercebesse. De olhos sempre postos no trabalhos, fitos a um futuro que nem ele próprio sabia o que lhe iria proporcionar, não viu a Ana crescer, se tornar uma adolescente excêntrica e rebelde e mais tarde uma mulher linda, mas fútil… Não viu o filho Rui deixar de praticar desporto, ter uma auto-imagem de si negativa pelo aumento abrupto de peso; não viu o homem que se tornou, também ele trabalhando na empresa do Luís , casando-se e recusando gozar a lua de mel para puder trabalhar, seguindo cegamente as pegadas erradas do seu próprio pai que sempre lhe fora um exemplo dos vícios, da tortura do trabalho desenfreado e inconsciente, da cegueira aos que mais amava, às suas necessidades, motivações, emoções, atitudes, crenças… Não viu a sua esposa a lutar por um casamento que se tornara infeliz, onde passaram a imperar as discussões, a solidão, o egoísmo e incompreensão de Luís. Não reparou que não tardou o divórcio e que a sua tão amada Beatriz se casara novamente, tempos depois, com outro homem, a bem ver, mais atencioso. Não reparara que, com um estilo de vida agitado e pouco saudável se tornara obeso e que bastava um pequeno esforço para padecer numa cama de hospital, ligado a “máquinas”, sofrendo um ataque cardíaco irreversível.
Não tinha tido tempo para reparar que o seu pai morrera, nem tivera tempo para ir ao seu funeral… para a última despedida de todo o sempre… Reparou que se tornara uma pessoa fria, calculista, objectiva, prática, sem emoção, sem sentimentos visíveis. Tornara-se um robot interminável e o tempo passava por ele com indiferença. Tão absorvido estava a trabalhar, alheio ao mundo, aos seus pais, aos seus dois filhos, á esposa maravilhosa que perdera por sua recriação, que se deixou morrer.
- Luís, agora que olhas para trás e revês o teu passado, o tempo que não viveste humanamente, que me dizes de ti?
- Quem me dera voltar atrás no tempo e retomar o beijo doce da minha esposa, o aconchego dos abraços dos meus filhos, o olhar atento dos meus pais… Desejava ter tido alguém que me fizesse parar e ver que a vida não deve ser levada em completa absorção de uma só parcela daquilo que nos torna seres completos e totais. Que há brilho no ar a ser respirado, há sol para acalentar, há piqueniques entre família e amigos a fazer, há canções para se cantar, há música para se dançar, há anos para se desfrutar, há lutas por vencer, há caminhos a percorrer, mas que, com calma, cautela (para nunca nos perdermos de quem somos) e coragem, tudo se alcança. Que as vitórias só têm valor quando há alguém que nos é muito querido para nos aplaudir, sem artefactos. Perdi-me de mim, agora sei, mas já é tarde demais…
E VOCÊ?
01/01/2009