sábado, 25 de dezembro de 2010

Hoje


Não sou mais que sede e noite, num cálice ávido de ser bebido, numa sede insaciante. Sou luz invariante, sem espectro definido, sempre em constante mutação. Sou a vossa ausência, já conformista e a espontaneidade das palavras que não sois capazes de dizer. Sou o silêncio entre o tumulto de bocas sábias e a serenidade ante o malfeitor. Beijo-vos, a vós principais, sem coração e perdidos, pois que de vós resulta em mim desafios que brotam. Sou a loucura incompreendida do diferente e a amante da mudança. Agitas-te num desconforto ante a normalidade e desdenham-te. Porque há beleza nas rochas em que te distrais? Porque o céu te abarca em longas noites, alheia ao mundo? Porque te compraz as roupas velhas em odores horríveis daqueles que não conheces? Não tenho bússolas, nem um norte a prosseguir. A direcção varia segundo a vontade e a ânsia de chegar ao sol.
Sou tudo menos o antecipado por todos. Não quero revelar-me tão simplesmente. Nem o útero me reconhece, nem ele dá ternura. Não sou mais nem igual ao comum. Não me defino. Sou, simplesmente, matéria viva. Ódios, qualidades e enalteceres. Não sinto eu vos possa dar até ao meu descobrir. Vou-me lavar a cara com a chuvas de um Inverno no apogeu, tremer naquele dia de luz e adormecer na alegria de conseguir mais. Como é bom o conforto ante mil outros infelizes! Como é bom, no entanto, ver melhor que eu, na alma e coração admiráveis. Há mais bondade, afinal! E apraz-me ainda existir quem faça mais, pois que de mim não me sou fiável.
É noite, já, e bebo a menta fresca. Nunca será igual. Tudo o que me adiciona, me faz maior. Foi de supra importância o ontem, com toda a antítese de sentimentos e sensações, bondade e ódio. Este som em poesia me acalma. Nunca o tinha deliciado. Há loucura aqui ou simples diferença? Ninguém está, mas a solidão já não me estranha. Este momento de arte, reconforta, mais que todas as presenças.
Quem sou ante os que deixei? O que neles habita, no meu não estar? Há curiosidade em saber, mesmo que o nada neles haja. Falta o violino, a harpa e o piano para em embalar nestas lágrimas isoladas, sem dor. Não há queixume. Há pesar e pensar. O que irei ser no amanhã? Haverá um recomeço ou um continuar igual? Não mais do mesmo!
Sei-me ser isolada na diferença, audaz na decisão, tenaz na persistência. Falta a perseverança e o reforço externo que sei que ele dará, para meu crescer. Obrigada! Nada tenho. Mãos vazias de um querer desconhecido. Só o clássico me embala agora. Serenidade! Assim a base do que virá, desejável.
Amanhã voltarei para me ver no sentir. Quero chegar até eles e sugar ensinamentos. Saberão esses velhos de barba branca e comprida, dar? Ou são no sumo, meros fracassos? Preciso deste experimentar. E nada quero deixar por viver até ao fim sem ar. O que há para vir, o abarcarei. Com igual ausência de temor, tal o ontem. Me bastará o saber ser sereno, como o agora e daí perpetuar numa nova primavera este sentir, apraz. Canta violino e me faz chorar de emoção num nada terreno, num todo meu.
Clara Balsemão

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Bailarina de Guarda-Jóias


Novamente na vivência do vale da curva sinusóide me encontro, no cíclico bater cardíaco aguçado pelo nervosismo, ansiedade e inadaptação. Do sol de ontem, hoje a noite fria e a solidão. Ninguém está. E revejo-me ao espelho, a mesma – bailarina que balança no guarda-jóias aveludado preto ou vermelho rubro. Continuo eternamente naquele ciclo de movimentos repetitivos, estanques, circulares, regulares. Da aparência chamam-na bela, doce, graciosa, alegre, frágil, inocente e vulnerável. Os menos sábios estão capazes de dizer que ela, em mim, é feliz. Disparate. Rodopia, aparentemente enérgica, com vivacidade, animada pela vida, num fim sem vista. Está, de facto, exausta. Porque o esconde, então? Quem a escutará se o confessar? O papel dela é apenas esse: embelezar e dar elegância ao meio. É agradável vê-la e observá-la, no entanto. Move-se com graciosidade. Pacífica. Reconforta. Baila para quantos a observarem. Não pede chamamentos. Quando precisa de se dar corda, aborrecem-se e fecham a caixa. Calam-na. Esse não é, afinal, o seu papel. Não aquele que a incumbiram. Pior é, enquanto se balança, pessoas mil, com indicador estendido, sinalizando gozo e autoridade, a derrubam. Está movida por uma mola e o esforço é mínimo para a fazer cair. Altiva, teimosa e não expressando dor, erga-se sempre. Nem sabe ao certo porque o faz. Num instante está novamente erguida, cabeça ao alto e braços no ar, abarcando mundos e pessoas, dançando com leveza, aparentemente indiferente aos olhares malsins. Não pestaneja. Não chora. Não reage. Congela. Mantém seu labor, cerrando os dentes. Está sozinha junto a jóias inertes, sólidas e desvirtuadas. Gostaria de alcançar mais, fazer diferente. Não lhe dão margem. Não a julgam capaz. Habita na escuridão do veludo desde sempre. Não conhece outro além. Falam-lhe que há aqueles que balançam entre gentes, aplaudidos. Falam-lhe que há cor e luz. Não percebe. Teme o mais. Sempre igual ao ontem. O que a move? Se o amanhã desconsolará igualmente? Se depois será posta no lixo, cansados de a ver? Se sabe à partida que nada mais há nela que apenas uma breve sedução? Continua, sim, porque é única a fantasiar-se melhor do que apenas isso. Dizem-lhe, a miúde, palavras belas de glória e enaltecimento. Ouve mas adianta o fim nulo. E está correcta. Assim se processa. Já nem o bom se contenta; não investe, sabe-o fugaz. Sonha maior, a arte no respirar o balançado encantar, as gentes acolher, o mundo abarcar. Como lá chegar? Qual o caminho? É vago. Precisa de um traçado mais firme e decidido. Não encontra respostas. O que deseja, no concreto, é obscuro. Procura e há vazio. Nem a energia existe. E tudo à roda rodopia, sem nexo, sem sentido. Tortura. Em busca dela. Há-de valer a pena! Só ela, imensa e bastante, o confirma. Basta? Não. Mas segue…sempre.