quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"Ser Poeta"









Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

"Restolho"









Geme o restolho triste e solitário
A embalar a noite escura e fria
A perder-se no olhar da ventania
Canta ao tom do velho campanário.

Geme o restolho preso de saudade
Esquecido, enlouquecido, dominado
Escondido entre as sombras do montado
Sem forças e sem cor e sem vontade.

Geme o restolho a transpirar de chuva
Os campos que a ceifeira mutilou
Dormindo em velhos sonhos que sonhou
Na alma a mágoa enorme e intensa aguda.

Mas é preciso morrer e nascer de novo
Semear no pó e voltar a colher
Há que ser trigo, depois ser restolho
Há que penar p’ra aprender a viver.

E a vida não é existir sem mais nada
A vida não é dia sim dia não
É feita em cada entrega alucinada
P’ra receber aquilo que aumenta o coração.

Mafalda Veiga

sábado, 18 de agosto de 2007

Eu sou...


Eu sou leve andorinha flutuante ao vento,
Eu sou aquela que habita o sonho,
Eu sou quem se consagra no pensamento,
Eu sou aquela que em tudo é risonho.


Eu sou quem faz da vida experimento,
Eu sou quem balança em mar medonho,
Eu sou em todo olhar deslumbramento,
Eu sou desejo encher o mais tristonho.


Eu sou génio insaciável ao Amor puro,
Eu sou quem inspira a luz no escuro,
Eu sou quem da ruína vê virtude.


Eu sou eterna insatisfeita do total,
Eu sou ingénuo oculto do mal,
Sou, pois, serva d'um horizonte obscuro.


18/08/2007

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

(Para Reflectir...)








Se podes conservar o teu senso e a calma,
Num mundo a delirar, p’ra quem o louco és tu;
Se podes crer em ti, com toda a força d’alma,
Quando ninguém te crê; se vais, faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário;
Se à torva intolerância, à negra incompreensão
Tu podes responder, subindo o teu Calvário,
Com lágrimas d’amor e bênçãos de perdão;

Se podes dizer bem de quem te calunia;
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor,
Mas sem a resignação dum santo que oficia,
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor;
Se podes esperar sem fatigar a esp’rança;
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho;
Fazer do Pensamento um Arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho;

Se podes encarar, com indiferença igual,
O Triunfo e a Derrota – eternos impostores;
Se podes ver o Bem oculto em todo o mal
E resignar, sorrindo, o amor dos teus amores;
Se podes resistir à raiva ou à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste;

Se és homem p’ra arriscar todos os teus haveres
Num lance corajoso, alheio ao resultado
E, calando em ti mesmo a mágoa de perderes
Voltas a palmilhar todo o caminho andado;
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Variadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizer palavra e sem um termo agreste
Voltares ao princípio, a construir de novo:

Se quem conta contigo encontra mais que conta:
Se podes empregar os sessenta segundos
Dum minuto que passa, em obra de tal monta
Que o minuto se espraie em séculos fecundos;
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre
Ou, vivendo entre os reis, conservas a humildade;
Se amigo ou inimigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti, à Luz da Eternidade;

Então, Ó Ser Sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os Reis, os tempos e os espaços;
Mas inda para além, um novo sol rompeu
Abrindo um infinito ao rumo dos teus passos;
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem recear jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
ALEGRA-TE, MEU FILHO, ENTÃO ÉS UM HOMEM.

Rudyard Kipling