segunda-feira, 30 de março de 2009

Metáfora do Viver


Prepara-se para o sinal de partida com uma confiança variável, já que sabe de antemão que a prova é longa, duradoura e laboriosa. Arranca sem olhar para trás, sente os pés batendo rigidamente no chão, queixando-se de um aquecimento esquecido. Prossegue a corrida, olhando para os seus adversários que se esforçam por alcança-lo, por vencê-lo… Mesmo que resolvesse fazer uma corrida solitária, haveria sempre alguém que o interpretaria mal e se juntava a ele para o vencer, mesmo que ele não tivesse interesse numa competição, numa suposta discórdia. Agora o terreno eleva-se numa subida íngreme e sente a sua respiração tornar-se cada vez mais ofegante embora só há instantes se tenha distanciado da partida. As suas passadas lentificam-se mas sabe que tem de suportar o desgaste já que a meta está longe de ser atingida. Não se pode deixar influenciar pelo cansaço, pela dor dos gémeos, pela respiração quase asmática… tem de prosseguir, continuar no seu trajecto, saltar barreiras, sentir a chuva a cair carpidamente no rosto, mergulhar os pés na lama e evitar sempre cair. As pernas estremecem, o cansaço adensa-se, mas o olhar está fixo além… para além do visível, para além do conhecido. E, enquanto corre, deixa-se envolver pelo vislumbre da paisagem: as aves que chilreiam e o acompanham… as borboletas que esvoaçam sobre si, fazendo-o sorrir pela tamanha beleza… o verde da Primavera, nos dias invernosos… o azul do céu sem macua… o sol massajando o rosto exausto… Jamais quisera perder de vista este encanto enquanto se propunha a correr por cada meta estabelecida, pois sabia a suavidade da beleza que seus olhos estavam capazes de atingir. Continuava a correr sem parar, muito embora o corpo lhe suplicasse por uma breve paragem de retoma de forças. Sabia que parar significaria perder tudo que até ali tinha palmado a custo feroz. Sentia-se cada vez mais próximo do fim, uma sensação de vitória invadia-o com adrenalina, uma nova força conseguia ainda encontrar em si. Sorriu quando viu a fita rubra ao longe… queria trespassá-la o mais depressa possível, não podia deixar escapar esta oportunidade… mas… fito apenas no seu destino, indiferente aos demais concorrentes, incapaz de apreciar a natureza rude que o envolvia, assim se fez cair perante uma rocha que se deparava sob o seu caminho. Caiu pesadamente sobre o chão, não conseguindo impedir que uma lágrima de mágoa, tristeza e dor lhe lambesse o rosto magoado. “Mas porquê que me aconteceu isto? Porquê logo a mim? Que fiz eu de mal para merecer isto? Que justiça comanda este mundo, Meu Deus???!!!”… estava de tal forma derrotado que demorou a ganhar novo vigor para, ao menos, se erguer. Chorava e bracejava com vigor embora ninguém se detivesse sobre ele, parando a sua trajectória para o socorrer. Sabia que estava entregue a si mesmo, não podendo contar com ninguém pois que todos anseiam o mesmo: cortar a meta! Ao consciencializar-se que apenas ele era o único capaz de restituir à vida um sorriso, de voltar a reeditar a sua história, começando naquele ponto onde pareceu tudo desabar, com uma força que desconhecia em si até então, sacudiu o pó, a areia, a mágoa e a solidão e limpando as lágrimas, levantou-se pausada e lentamente num gesto de sublime embelezamento. Reparou que se haviam formado calos, estava mais forte, com os músculos mais salientes, elevados e definidos… e sentiu-se estremecer pela sua nova figura. Com bravura reparou que agora era capaz de cortar a meta com melhor e maior destreza e que embora não fosse o campeão prioritário, iria conseguir atingir aquele alvo fugaz e festejar depois a vitória com os que, raros mas perseverantes, se mantinham na plateia a aplaudi-lo e a reforçá-lo a prosseguir. Sorriu comovente e, de olhar firme, olhou adiante e percebeu que a meta estava a menos de 10 metros dele… bastava apenas mais um último esforço e alcançaria, por mérito, o que sempre desejara para si: a vitória de si sobre todos! E correu, desta feita com um ritmo mais acelerado e compassado… embora as feridas ainda não estivessem saradas, sentia que nada mais o podia deter, uma estranheza da fortaleza que se tornara e um prazer pelo futuro construído e duramente alcançado. Cortou a fita encarnada com satisfação enorme, apreciando cada momento, cada instante, como se único fosse, como se toda a dor merecesse aquele fim. Sorriu e gargalhou audivelmente, embora apenas os seus seguidores de percurso estivessem lá para o aplaudir e chorar a felicidade com ele. Mas alcançou, embora sem facilidades, com luta, com dor e esforço o que traçara para si como percurso e destino de vida. Foi feliz na sua maior dureza e firmeza, ganhando um brilho contagiante no olhar, semelhante a nenhum mais. Venceu!!!

30/03/2009

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