quinta-feira, 3 de abril de 2014

Rosa Espinhosa

O limiar entre o milagre da vida e a penumbra da morte resume-se a dois passos. Deixei de te ver e de te saber Alice desde o momento em que passei a olhar-te no vazio de perderes consecutivos, marejados de lágrimas e na esperança sonhada por um igual destino. Um desaparecimento de ti, total, que nem te apercebeste. Foste Alice na sapiência, candura dos dias frescos, com mãos apuradas e mente nítida. Foste Alice quando, tão sábia, me adivinhavas sentires por um relance de olhar em soslaio, evitado, porque sabia-o comprometedor ao atento. Foste Alice naquele regaço macio, corado de chá e delícias, últimas, trocadas em amizade e ternura, igual ou maior ao que fora um passado, um outro binómio, acreditados similares. Foste o último alívio da solidão egóica e o principiar de uma solidão tua, desconhecida e dual. Não sei mais onde te procurar naquilo que te restou, naquilo que deixaste – um nada sem vida, um tudo sentido, um gigante impostor que me alegra no contentamento alucinado de te ver sorrir diante de mim e pronunciares comuns palavras, únicas porque tuas. Será que me consegues sossegar os soluços quando te penso? – saudade. Será que te manténs acercada, sábia de mim, detentora de profundidade suficiente para descobrires o interior que vedo e escondo? E quando de ti quiser saber, almejar-te numa carícia beijada, numa falta profunda e irreparável, onde te encontrar? Não te chorei no completo para permitir-me dizer um adeus real. Não te beijei o rosto gélido e santificado, calmo e, enfim, pacífico. Não me notei suficientemente capaz de te visitar, nem ontem nem hoje, aqui, presente quando afinal, desconheço a tua morada e qual o caminho a percorrer até lá chegar. Edificar-te terrena, no agora, é cumprir com o teu traçado, seguir um exemplo, acompanhar um batimento que conduz e abriga no indizível do silêncio, no grito mudo que cala uma resposta que não chega.
As paredes que te contemplaram, não habitadas, envelhecem e todo o largo de beleza antiga, acompanha um vácuo deixado de nada existir, quando afinal, eras tu quem o preenchias e colorias.
Tanto egoísmo existe na solidão cansada de quem se quer ouvir e rever em vozes e entenderes que descobriu, afinal, existirem, e que anseia, deliberadamente, perpetuar. O ciclo corrompe quereres e vontades alheias. Nada queda o seu movimento perante lamúrias e pedidos, crenças e súplicas, por maior que seja a fé e o céu que contempla. Não recuperadas pessoas, belezas divinas a ele entregues, resta a memória de tempos idos, esses sim livres de jamais se soltarem e escaparem dos nossos dedos manipuladores e ingénuos. Sobra um negro que já era teu, tão longa data, um afagar, um frio tactear, um desabafo, um saber entregue e, tudo o mais, um novo recomeço irónico que nada fizeste por acontecer, mas que recria melhores seres, talvez, do que aqueles que amadurecem e são errantes.
Que saibas gozar de um paraíso que criaste e abraces os teus que te olhavam enquanto te socorrias de um sôfrego chorar, de um tão doloroso pesar… Hei-de, um dia, reconhecer-te na ilusão de um sono profundo sem fim e alegrar com aquela que foste e tão bem soube conhecer o âmago, a tantos outros obstruído.

Clara Conde

22/03/2014

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