O limiar entre o milagre da vida
e a penumbra da morte resume-se a dois passos. Deixei de te ver e de te saber
Alice desde o momento em que passei a olhar-te no vazio de perderes
consecutivos, marejados de lágrimas e na esperança sonhada por um igual
destino. Um desaparecimento de ti, total, que nem te apercebeste. Foste Alice
na sapiência, candura dos dias frescos, com mãos apuradas e mente nítida. Foste
Alice quando, tão sábia, me adivinhavas sentires por um relance de olhar em
soslaio, evitado, porque sabia-o comprometedor ao atento. Foste Alice naquele
regaço macio, corado de chá e delícias, últimas, trocadas em amizade e ternura,
igual ou maior ao que fora um passado, um outro binómio, acreditados similares.
Foste o último alívio da solidão egóica e o principiar de uma solidão tua,
desconhecida e dual. Não sei mais onde te procurar naquilo que te restou,
naquilo que deixaste – um nada sem vida, um tudo sentido, um gigante impostor
que me alegra no contentamento alucinado de te ver sorrir diante de mim e
pronunciares comuns palavras, únicas porque tuas. Será que me consegues
sossegar os soluços quando te penso? – saudade. Será que te manténs acercada,
sábia de mim, detentora de profundidade suficiente para descobrires o interior
que vedo e escondo? E quando de ti quiser saber, almejar-te numa carícia
beijada, numa falta profunda e irreparável, onde te encontrar? Não te chorei no
completo para permitir-me dizer um adeus real. Não te beijei o rosto gélido e
santificado, calmo e, enfim, pacífico. Não me notei suficientemente capaz de te
visitar, nem ontem nem hoje, aqui, presente quando afinal, desconheço a tua
morada e qual o caminho a percorrer até lá chegar. Edificar-te terrena, no
agora, é cumprir com o teu traçado, seguir um exemplo, acompanhar um batimento
que conduz e abriga no indizível do silêncio, no grito mudo que cala uma
resposta que não chega.
As paredes que te contemplaram,
não habitadas, envelhecem e todo o largo de beleza antiga, acompanha um vácuo
deixado de nada existir, quando afinal, eras tu quem o preenchias e colorias.
Tanto egoísmo existe na solidão
cansada de quem se quer ouvir e rever em vozes e entenderes que descobriu,
afinal, existirem, e que anseia, deliberadamente, perpetuar. O ciclo corrompe
quereres e vontades alheias. Nada queda o seu movimento perante lamúrias e
pedidos, crenças e súplicas, por maior que seja a fé e o céu que contempla. Não
recuperadas pessoas, belezas divinas a ele entregues, resta a memória de tempos
idos, esses sim livres de jamais se soltarem e escaparem dos nossos dedos
manipuladores e ingénuos. Sobra um negro que já era teu, tão longa data, um
afagar, um frio tactear, um desabafo, um saber entregue e, tudo o mais, um novo
recomeço irónico que nada fizeste por acontecer, mas que recria melhores seres,
talvez, do que aqueles que amadurecem e são errantes.
Que saibas gozar de um paraíso
que criaste e abraces os teus que te olhavam enquanto te socorrias de um
sôfrego chorar, de um tão doloroso pesar… Hei-de, um dia, reconhecer-te na
ilusão de um sono profundo sem fim e alegrar com aquela que foste e tão bem
soube conhecer o âmago, a tantos outros obstruído.
Clara Conde
22/03/2014
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