sexta-feira, 4 de junho de 2010

Nostalgia


No plano da reflexão, liberta de estereótipos, de crenças, de ilusões, de falsas evidências e após me retirarem a roupa e me mostrar nua, ainda assim me sinto coberta. O meu eu verdadeiro, a minha essência foi desde cedo negada e reprimida. Não me acorrentaram, não me sangraram, não me pontapearam. Fizeram pior – não me viram! E fui o ideal desejado por ambos, a perfeição, a cumplicidade manipulada, o Amor desconhecido, a dependência na fusão, a personificação de todas as faltas, de todos os défices, de todos os sofreres. A qualquer sinal de individualização, de vontade de revelação, houve castigos sim, estalos no coração; violência física, não; psíquica, pior. Para manter o nosso “amor” percebi, por fim, que devia existir na negação de mim. A supra valorização de vocês, gigantes, e o esquecimento de mim. Tive vontades não satisfeitas, houve lágrimas caladas para o não desilusão, houve gritos surdos, houve tanto afecto por receber… O meu papel? Dar. Revoltar-me seria perder a única ligação e (não) relação que me mantinha no mundo!
E dali, negada e aceite na minha condição já interiorizada, muitos se passaram, lhes dei o todo e deles o nada. Padrão mantido. Causador de sofrimento, sem dúvida, mas já sabido, já expectável. Até que no ¼ de vida te conheci e sem perceber, roubaste-me a alma. Não percebi, não reagi, não limitei a tua entrada. E, uma vez dentro, percorreste o fosso, escuro, de mim e chegaste, apenas tu, inédito, às profundezas. Incomodaste-me. Como o conseguiste com essa rapidez? E de ti, para ti, único, fui pela primeira vez EU e, surpreendentemente, aceitaste e acolheste-me na fragilidade e no meu inchaço de fantasmas. Não repudiaste! Não ignoraste! E no depois, pelo físico, me voltaste a invadir, no lume do prazer também ele até então desconhecido. Como perceber o poder que dominas e a facilidade com que o fizeste? Como esquecer o primeiro a conhecer-me? O primeiro que embora me conhecesse, me abandonou, ainda assim? Da noite para o dia, ciclicamente até à morte, eterno, ainda que ausente!

Nenhum comentário: