terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entediada


Pois que eis-me aqui novamente, diante de ti, sombra, e te confesso a minha raiva e repugnância por não me abandonares, sendo que em caminhada que se obriga a ser sozinha, não há hipótese de escolher companhia, mas a tua rejeito e quero libertar-me. Mas corres atrás de mim e estás lá sempre; sufocas-me! Tinha-o a ele, tão garantido em mãos, uma graça divina. Estranhei a maravilha e, afinal, tinha razão. Também o perdi, também o deixei escorrer entre os dedos, como a água que cobre a minha face. Essa face… estou farta de te olhar e de te analisar. Levem-me para bem longe de mim! Não te quero mais, não te quero ver mais! Sai de mim e leva contigo também aquele que bate e me mantém erguida aqui, agora, sem energia e fraca, sempre despedaçada… Queria arrancá-lo e esmigalhá-lo! Estou ofegante, já, e quero parar… mas quem me deixa que o faça? Exigem-te aquilo que não estás capaz de alcançar, supõem-te mais do que és ou, por outro lado, nem te observam. Invejei aquele que à esquerda de mim desenhou e assobiou e cantou e ajudou aquela… era leve, ele! Senti-o! Gostava de me tatuar assim também, gostava de o sentir nas vinte e quatro que me rodeiam e me fazem asmática. Queria escapar-lhe, a ele que gira sem parar, e então aí ser mais eu, melhor talvez. Seria capaz? Ou do nada surgiria a turbilhão de pensamentos sem um fim? Provavelmente nunca conseguirei encontrar-me… fugi para demasiado longe e corro pela floresta, sempre atarefada, à procura de um nada tangível, um nada que não sei ser real… e por isso continuo a correr, enlouquecida, atrás de ti: paz. É simples dizer-te e difícil ter-te… difícil em mim, ter tudo, quando os fragmentos que me são dados cedo se cansam e desprezam. O que será que em mim não existe e que nos outros há em abundância? No Natal deixei de acreditar em graças, nunca me foram dadas, aliás… e espantaram-se, eles, quando disse que alegria desconhecia… Porque vos espanta? Eu sei… respeitaram-me dia algum? Foram ao encontro dos meus apelos e salvaram-me? Alguma vez? Até de vós farta estou… mas sem vós pior seria… ou me engano? Mais só do que só? Fizeste-me bem… andei a pular em nuvens e sorria emparvecida e louca, julgando ser afinal este o momento da troca. Não! Não mereces nem está escrito na tua instrução vindoura de que podias ser assim e fazê-lo. Aproveitas-te, ao menos? Nem isso… sabias e pressentias, na tua estúpida sapiência, que te iriam dar o mar… o oceano e as aves do céus… te dariam os ventos e a maresia e o odor das plantas… esperavas demais e quando em excesso, sem recursos, morres! Morres no figurado e no real porque te dói demais. Enervas-me ainda assim sorrir e espanas-te não perceberem… Claríssimo! O que é claro afinal? Tens certeza? O que tens de teu? Tens o abstracto que te cerca, iludindo-te de rosa e violeta negro. Como és capaz de ainda cair nessa fossa onde já passaste tão inúmeras vezes? Não aprendeste? Algum dia irás compreender? Ele não te quer nesse campo, quer-te neste e quer-te de luvas de boxe sempre… para o transpirar dos dias e não para as alegrias consequentes. Não esperes uma troca, não a terás! És inerte e fraca… custa-te permanecer com eles abertos, não é? Apetece, tem dias, desistir de tudo… de ti que me lês na mente fantasiada, de ser farta de horas e de rotinas. Mas como fugir se fui eu mesma que me montei? Limita-te à tua tarefa principal, deixa o resto… o resto deixa que os outros vivam por ti… e dormirás em eterna ingenuidade e nada a Ele lhe vais ensinar quando lhe fores entregar esse relatório de passagem. E vais sentir-te um menos por teres feito errado, mas vais argumentar, sem razão, que não houve escolha. E Ele não te entenderá; é que nem Ele!!! Tenho pena, realmente! Caminhada sombria e amarga que me enfadas… liberta-me!!!

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