sábado, 14 de novembro de 2009

Empequenecimento


Ela era alta, bela e esbelta. Seus olhos trespassavam almas e balançavam corações. Tinha um andar seguro, firme. Dedos compridos, desenhava os lábios que provava e os corpos que aturdia. Se se nada naquelas águas cristalinas, tudo parece observá-la… natureza morta também! Fenómeno de contemplação, riquíssima! Tocava aquele piano que se fundia nela num romântico bailado compassado. Desenhava e falava beldades e em raridades gesticulava a sua singularidade. No entanto, voltando-se do avesso e, fechada em si, o que via era o oposto: feia, rude e vulgar. Nos seus elevamentos sociais se rebaixava com palavras de cordialidade e simpatia conformista. Sentia um peso sobre ela como se uma mão gigante e poderosa a empurra-se para baixo e a sua altura não mais se notasse quando se sentia rastejar. Era cortês e amistosa, culpabilizava-se a sua insinceridade. Via-se teatralizando sem nunca tomar a vida como real. Nunca era ela e apenas o seu corpo a comandava. Sofria e, no seu extremo, desligava-se dela, em transe. Enraizada na certeza de não ter ninguém que a socorre-se em aflição mesmo quando multidões a acompanhavam e a olhavam e lhe falavam, e se apaixonavam, e se enlouqueciam e a invejavam. Porque se fecha na visão geral, porque é cega aos detalhes, porque vê limites em amplos horizontes, porque se esquece do ínfimo relevante, se vê num mundo que criou, que penosamente fantasiou, que a contorce e a festeja, que a celebra e castiga. Mas aquele não é o mundo real! Porque se limita selectivamente às vivências más; todas as outras seguem um rumo de perdição. Capaz, não se expõe, não quer competir quando afinal quer, admite ser melhor quando racionaliza ser fracasso. Triunfa quando podia ser a glória! Consegue quando podia antes vencer! Foge de quem a ama e abraça quem a despreza. Teme-os e reprime-se, sendo tudo supérfluo e vago. Vive desconfortável num ventre que magoa, num coração que palpita nessa máscara pesada que usa repetidamente, dia após dia. A dor arde nela enquanto a sopra repetidamente aparentando nunca se queimar… questionada será apenas um equívoco onde ela se encontrará sempre bem. A lógica e a razão defendem-na das armas do mundo e do terror de si e do seu pensar. Falta-lhe a energia para gritar e para se permitir ofender. O que é isso? O seu controlo domina-a até a sufocar. A vida desprende-se das suas mãos e ela está afinal a observá-la como espectador atento, angustiado e assíduo.
O que falta afinal para ser quem é? Remoção daquela que a persegue, precocemente, e que magoa cá dentro. Mas ela só se desprenderá quando houver mais agrado que insucesso, mais triunfo que pesar, mais orgulho que menosprezo. Sabe não o saber ser possível destrui-la embora lute, embora tente. Há a viva esperança entre os dias de derrota e fracasso, há a surda espera de vir a concretizar-se e mostrar-se num duplo regozijo de si, ainda mais ofuscante, ainda mais aliciante, ainda mais atraente. Por ora, longe de si…

Nenhum comentário: