terça-feira, 21 de julho de 2009

Desgostos


Ela, naquele sacrifício salutar e gratificante, bailava aqueles livros que pelo simples odor a animavam, e assim circulava entre salas e corredores daquela faculdade que decidira pertencer e que, sem demoras, conseguira. Era feliz naquele sonhar profissão, independentemente do cepticismo e falta de confiança no futuro, nomeadamente monetário, daí resultante. Era conscienciosa ao ponto de perceber o esforço dos pais por mantê-la sã e alimentada, com tecto onde pernoitar, e para isso dava sempre o seu mais alto apogeu de sabedoria. E assim, num ápice, terminou a licenciatura com mérito, esforço, tentativas de melhorias constantes, podendo gabar-se de desconhecer as palavras “chumbar” e “exame oral”. Mas, findo o sonho, a realidade ameaçou-a e confrontou-a, atormentou-a e desiludiu-a mais do que estivera disposta a admitir. Aos outros continuava ao nível secundário naquele rosto de aparência feliz e despreocupada, rosto infantil e ingénuo. Além disso a eloquência não habitava na sua boca já que considerava falta de carácter a comprovação social do seu talento… talento que sabia ter por aquisição custosa mas vitoriosa no final. E teve afrontas, alvo de calúnias e ciladas, decepções e desilusões profundas com aquelas e aqueles que conviveu e lhe disseram ontem “gosto muito de ti” para no hoje repetirem em coro uníssono ”não prestas”. Nunca compreenderá a disparidade de atitudes, estes extremos tão extremados quanto às opiniões acerca dela. Como podia reagir ela se amarrada ao “socialmente convencional”, se calada permanecia a escutar a pior crítica que seus ouvidos podem aceitar quando, aquele outro “eu” lhe diz baixinho, naquele mundo invisível e só seu, “rebenta com eles”. Controla-se, num esforço teatral quase convincente e consegue passar o não ela. Mas resulta sempre! Como teatro da vida, venceria todos os Óscares de “melhor actriz principal”. Mas, já de regresso ao grosseiro mundo físico, tem de se contentar com o trabalho precário, com o sítio não hospital, com as paredes não consultório, com o edifício não “Instituição para acolhimento de Crianças com necessidades escolares, familiares, psicológicas graves”. Está, ao invés, ante paredes cinzentas e sombreadas, onde a luz não entra, onde Deus não consegue dirigir a chama do amor àqueles corações pobres de miséria maior que a sua, até ao momento, apenas existente no bolso leve. Mas prossegue naquele intento tão brilhante de um dia ser aquilo que se projectou tantos anos antes e se realizar sem as palmas falsas e momentâneas de meia dúzia de gatos-pingados (por melhores fatos ostentem). Sabe que vai conseguir lá chegar (“a caminhada longa, mas tu és capaz”), terá sempre aqueles socalcos para subir, e pedras para contornar e areia para fugir, e atrito para evitar. Mas julga, como última esperança que a faz mover-se, aquele fim maior, aquele objectivo espelhado diante do seu sorriso e gargalhada feliz.

Nenhum comentário: