sábado, 20 de setembro de 2008

Avança Herói, avança!


Encontrei-te submerso em pensamentos, de rosto cálido, as mãos fronte ao rosto, aspecto desgraçado, desprezado e perguntei por ti, pela tua sorte, pelo teu pesar. Olhou para mim, de olhos humedecidos e incrivelmente envelhecidos no paradoxo dos seus 24 anos e me diz que viver é como arder devagarinho numa fogueira acesa, de que o mundo não se revia nele, nem ele no mundo, que existe uma profunda tristeza pelos outros, por si mesmo, pelo que as pessoas hoje são e que tanta vergonha sentia de tão vulgares serem.
Cobri-te em mantas quentes, te afaguei nos meus braços, te disse que a caminhada, desde que seja TUA, tem valor singular, que viver só, desamparado é duro, mas que antes isso do que remar junto de uma maré pela qual não te revês, pela qual não te completas. Abracei-te e senti que te sentias melhor, lenta e pausadamente com as minhas tão simples palavras de consolo, de tentativa de te fazer renascer, de ter fazer sobreviver, massajando esse coração ferido e das chagas que te criaram em teu rosto, nas tuas costas, nos teus pés, nas tuas calejadas e tão ingénuas mãos. Fica comigo, lhe disse eu, crê em mim, crê em ti acima de tudo, que és humano nobre e tens valor, mesmo quando todos te apedrejam dizendo que és canalha.
Meu filho, ergue esses olhos e enxagua-os no meu manto, lava esse rosto da água impura, abre um sorriso e caminha em frente. Bem vês que lá ao fundo está o pôr-do-sol. E ontem um arco-íris se formou diante de ti, e nem assim soubeste perceber o que ele te queria ofertar e significar: “És igual a mim, tens magia na alma, brilho no olhar, após o pranto vês cores imensas, mais escuras e mais claras, conforme teu coração se reflecte, mas tens um encanto só teu, ninguém no mundo será igual a ti, és matéria-prima em única obra de arte concebida; não te percas de ti!”
Porque (vira-se ele para mim, incrédulo, confuso, indefeso, tão incerto no apalpar do desconhecido), o mundo está assim tão desnutrido? Porque é que sinto que tudo que me cerca é errado, incorrecto, injusto? Porque me vêem apenas com os olhos, deixando de me olhar para dentro da minha alma e assim melhor me avaliar? Porque fazer o bem tem sempre um preço? Que mundo, MEU DEUS!?
Retorqui de voz doce que respostas certas nunca as conseguiria dar e que as melhores respostas estão guardadas no seu coração, que a busca da felicidade em vida mundana e corrosiva não é tarefa fácil, que a felicidade não se resume a coisas, a acções, a comportamentos, a conquistas materiais. Leve os anos que levar, a essência da felicidade será sempre a mesma: Amar os outros. Daí ele olha-me de soslaio, não acreditando nas minhas palavras e exclama furioso: “Mas como amar os outros, se são os outros que me pisam, me magoam, me ofendem, me fazem sofrer e chorar?”
Meu filho, atenta nos meus olhos e entenderás. Aqueles que te magoam, que me molestam, que te traem, precisam de alguém que os acolha, porque estão também perdidos e estão a deixar-se levar pelos ventos contrários do mal, porque esses causam menos pesar, mas vão arrancando do peito as virtuosas qualidades humanas. Eles de mágoas te pedem que lhes estendas as mãos, os abraces e beijes sua ira. Porque a perdição é muita e há sempre quem exista ainda neste poço de humanidade, aqueles que rejeitam a caminhada da manada… como tu, meu filho! Tu és feito de igual matéria, de igual amor, te dei ao nasceres o livre arbítrio, poisando-te sobre as mãos angelicais da meninice, o bem e o mal, o amor e o ódio, a bondade e a maldade, a felicidade e o infortúnio. Tu escolheste e caminhas no caminho que tracei para todos, mas que apenas tu e uns poucos outros perceberam os meus sinais e persistem na batalha. Porque caminhar em plano correcto é mais árduo, mais cansativo, mais penoso, mais árido, mais faminto, mais tempestuoso do que caminhar no plano errado, no plano da imperfeição. O mundo se constrói do que cada um quer ser… pena a maioria optar pelo mais simples, pelo mais confortável, pelo menos heróico, pelo mais curto e menos virtuoso. Mas tu és tu, e tens de lutar, caminhar descalço pelo plano que te adormece as pernas, te queima os pés, te rompe os tecidos, te sangra as mãos, te entorpece os movimentos, te deixa cair tantas vezes sobre joelhos calejados e feridos. Achas tu capaz de o fazer? De seguir por este caminho, que tem sido o que agora percorres, mas que agora ao caíres te afundas em questões retóricas e infundadas? Achas-te capaz de tanto?
O rapaz mostrou então um sorriso são aberto, tão doce, tão calvo, tão sereno, tão santificado e responde: “Que por piores os tormentos, piores as quedas, piores os ferimentos, piores as dores, piores as cicatrizes, vou continuar por aqui… o caminho da Tua luz”. Lhe digo, lacrimejando num emocionado alívio: “Bendito sejas, em ti mora a raridade do mundo, doce humano verdadeiro!”

Clara Conde
20/09/2008

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