sábado, 5 de novembro de 2011

Variâncias



A inspiração esvaiu-se num mergulho denso sobre as águas pesadas e viscosas de um real de penumbra e esforços. Será que ela apenas se revela no sofrimento? Ele já não me governa, hoje, de fato. Mas entristece olhar para aquele que antes fora meu amigo, único e último, e verificar que escassa o tema. Não só esse, tema, se diluiu! Onde foi a capacidade de brincar com as palavras e produzir confusões em mil? Focalizando-me nesta outra realidade, agora enfim externa, aquela que me conduz, que me encerra e limita no agir, fica esquecida no refletir. Não que a dor faça falta, não que anseie o devolver passado, não que me alegre pensá-lo… apenas a nostalgia de notar que no hoje não sou igual, jamais. Que talentos, capacidades, temores, oscilações e revoltas se dissiparam; alguns engrossaram, outros infertilizaram. Mas eis que um braço me prende ao ontem e me vem contar que há quem me espere e que soluça por mais do eu outrora. Sem enaltecimento maior. Que devolver? Quando, por aqui, novamente reencaminhada para outros cheiros, outras sonoridades, prazeres e gentes, prossigo numa trajetória diversa… Nada é linear e antecipado no troço que marco naquele véu de luz que nos é colocado em hora de graça. Ora mais carregado de negro, ora mais leve e quase invisível, ora circular, ora em ondulações vertiginosas. Quem me dirá o que virá a seguir, se no nada há coerência? E vou escrevendo sobre a tábua rasa áspera a história que, após cada parágrafo tem um ponto final e um novo parágrafo… quebra e mudança! Pois que o tema muda, continuamente, sim. E eu, sinto o arrepio da queda? Vacilo? Receio? Nego? Não! Prossigo! Há tanto para versar, tanto para criar e adoirar! Esta incoerência irá, por fim, trazer o sumo etéreo essencial de que anseio e, suponho, pois meus olhos sobre isso se direcionam, alcançará um termo que trará sorrisos e fomentará a outros, artistas, a continuidade de mim, o preenchimento do molde semi-acabado. Toda a prosa, a música, tem um início, um mediar (rascunho ou em versão definitiva e irreversível) e um… Termo! Para lá todos o desejamos querer, com a maior graça possível. Riqueza naquele que cultivou o incopiável, o sem plágio, o autêntico, o novo, o cerne. A par com todos os entes sociais, marginais, circunstanciais, insignificantes.
Ele não deseja de mim mais que a complexidade da existência que projetou certa hora sobre os meus ombros abebezados, no princípio, no ato magnífico criador. Sei não cuidar espera de retas… nem no somatório do passado curto que me fez, sei perceber a facilidade de um caminho aplanado e sereno. Mas, ele que me atenta, aplaude-me com vitórias e corações que se acercam e me arrancam prazeres. Ele enfim surgiu! Ele que será equiparado à felicidade mas que me dará, inevitavelmente, o sofrer essencial que sempre orbitou para a continuidade da instabilidade de que me cerca, me pertence, me simboliza, naquilo que sou, no que fui e no que serei… amanhã.






Clara Conde Balsemão
04/11/11
claraconde@gmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

texto belissimo...ficas muito tempo sem escrever mas quando isso acontece fico sempre maravilhado!! muitos parabens!!


beijocas

Hugo Rabaça