terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fragmentada


Entre as oscilações de que me sinto coberta, à loucura dos chamamentos de atenção, à excitabilidade excessiva, ao afastamento do meu ideal humano, me encontro ciclicamente, menos esperançada, agora, de um final último de amor-próprio. Não me quero mais assim. Canso-me de mim. Desejava esculpir-me e libertar-me de amarras de anos, soltar-me e ser finalmente aquela independência desejada, aquela força humana sólida, aquela tranquilidade tanto entre gente ou na solidão. Saberei lá chegar? Sinto calafrios de pensar que a caminhada só agora começou e que, se há mudanças, são de tal forma ténues, tão ligeiras, que delas não poderei sequer dar-me ao cuidado de me alegrar. Encontro-me então em enredos dos quais não me sei desembaraçar, movida por gentes múltiplas que, inconscientemente, procuro abarcar, imersa num riso que já não aprecio mas que me irrompe, tenaz, numa voz infantil, olhar ainda tão puro, de criança que ainda sou, gatinhando, e sinto dó de mim, imensa compaixão desta que, ao ver de fora é, afinal, frágil, inocente, inexperiente e ilusória. Mas então, que armas usar para a mudança? Como se processa? Já não há apoio há vários dias e sinto-me novamente cambalear. És necessário, tu, profissional! Ao menos que de ti se gere a necessária confiança e falta de receio do tão penoso abandono. Pois que todos o fazem e não sei deslindar-me dessa situação, não sei já controlá-la, não sei como agir e me mover para o evitar ou, se tal é impossível, bem lidar com ele, sem pesar. Não me quero mais boba, não me revejo já nas atitudes que sempre me acompanharam. Quero alterar-me e ditar o meu trajecto.
Amanhã faço 26 primaveras mas, revendo-me, de lá até cá, sinto a pobreza de um nada ter alcançado e invejo aqueles que, mais novos, alcançaram mais e são mais, e mais altos, e mais esbeltos… O amor-próprio está a deixar de existir. De certo modo benéfico já que ele era fruto de fantasias e um nada real. Pois que amar-me implica necessariamente ser aquela que eu desejo idealmente ser. Rever-me no real tendo como base a idealização e a sua aproximação. Mas encontro-me tão distante dela! Como me posso apreciar? Como suportar a raiva do sentir desadequada em comunidade e infeliz e abandonada em solidão? Não me sinto como suficiente e nunca nada basta. Porque não me quero olhar, porque me custa rever-me na fealdade interior, no rudimentar do meu ser, na infância amarrada, no cansaço de nada avançar. Pior sentir que não tenho como melhorar pelo desconhecimento, pelo irreal de pensar que em dois momentos se faz chama e luz e tudo se altera. Nada é assim e em 26 anos nada mudou afinal. É um sufoco sentir-me presa nestas amarras que me impedem de desenvolver e me criar, tal como cada peça que crio e a faço ser exactamente como idealizei, em mim, tal conta, não a sei conquistar, não a sei construir.
E passam por mim gentes de quem, interiormente, pelo desconhecimento de quem são, nunca chego a conhecer, mas a sua ausência causa vazio enorme, corrosivo, não pela falta de quem eles são, pelo seu singular, mas pela atenção que desejo em acumulo sobre mim, para a minha manutenção, para o meu sustento. Pois que este é, afinal, o meu maior e mais precioso alimento – os olhares focados sobre mim e o acenarem, afirmativamente, satisfeitos, perante a minha presença e a tudo dizerem eu ser capaz do bem feito. Caso não cumprirem com idolatração a tudo em mim, a tudo que sou, mesmo que pecaminoso e insustentável, não vos quero, já que me magoam, já que não me entendem, já que não me merecem. E é nesta teia de ilusões que mantenho a vã ideia de que sou mais, de que sou riqueza e beleza. Não a sinto, mas imagino-a e a imaginação faz-me ser tudo aquilo que, no real, nada sou. Mas fartei-me de ser assim e acho repugnante e desejo a alteração e a limagem destas arestas velhas, carregadas de junco, pela alteração maior de mim. Farta de me sentir, no igual dos dias e anos passados, soprando mais uma vela enfadada. E todos, um por um, diferentes, passam por mim, selecciono os opositores, entrego-me parcialmente, não os quero, não os desejo, apenas os uso… quando, no final, eles voltam as costas e caminham, sem acudirem ao meu chamamento. O que quero deles? Tudo menos quem eles são, invariáveis. Mas que me satisfaçam já que sozinha não me sei sustentar. Não me quero!

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