quarta-feira, 3 de março de 2010

Desolação

Caminho pelo tumulto de que não reconheço e não me espelho e em cada saída sua porta fechada. E continuo, inicialmente extasiada, empenhada, animada, esperançada, à procura daquela saída sorridente. Antevejo sempre muita luz e sigo seu rasto. Mas o punhal é pesado demais e cansa a mão direita. A esquerda tem livros, 1001. As costas não se mantêm erguidas, arqueio-as para me suster, sem parar o ritmo, sem desfalecer. E começa a cansar aquele percurso rotineiro, fatigando-me dos olhares e gentes, aparentemente as mesmas que andam por aqui e acolá, que te cercam, que transpiram indisciplina e te cospem palavras desconexas que tu acenas com um “não” reprovativo. Farta e sem energia, prossegues, agora já arrastando os pés de chumbo. As pernas pesam também, nela carrego toneladas de areia que se acumulam pelos caminhos palmeados, no sombrio do sol. Não me nutro hoje nem ontem. O alimento ora findou, ora nunca existiu. Não sei mas questiono-me vezes sem conta, introspectivamente fumego um “ai” e continua a maquinaria com carvão a ferver e enferrujar cá dentro, com os líquidos lacrimejantes não expulsos. De que vale fazê-lo? Não me trás o sorriso nem a pulsão!... Evito-a sempre, porque me cansa bater e não ser atendida. E repete-se num vaivém cíclico, quase mecânico, quase robótico. O labirinto prossegue; estás de caneta estendida sobre ele, inclinada, concentrada e em posição de arranque, ligeiramente adiantada e esperas ouvir o sinal e correr. Conheces a solução que te espera? Ou adiantas uma solução mais agradável do que aquela que provavelmente terás? Por aqui não dá, por acolá também não. Recorrentemente em reflexão. Plano A falhado, plano B, possivelmente… ora vejamos… se x é igual a y, v será 2x maior que z… calculo, é a matemática da regência diária. Tenho várias janelas abertas no ambiente de trabalho, e continuam a aparecer mais e mais. Inesperadamente o computador torna-se lento… não avança… raios! Encravou! Terei de reiniciá-lo? Desligar já aqui, sem demora, quebra e precipita? Claro. E o trabalho antes feito? Julgo não ter guardado… estará perdido? Oh não!!! Terei de voltar a fazer tudo outra vez? Levei 50 anos a fazer isso!!! Haverá vida para terminá-lo? Hei?! Estou a chamar-te? Não me ouviste? Estavas compenetrada! Bolas, longe daqui sem dúvida! A lua nova nasce e tu te invades. E prossegues sem ver aquela estrada… afinal vais para onde? Nem sei! Julgo que tinha em mente este percurso, mas já me esqueci até onde ía dar… Tens mapa? Deixa ver… Supostamente deverias largar o satélite e dirigir-te em direcção ao astro. Mas queima! Doi, arde aqui agora! Deixa fugir, mas para ali não quero ir. Deixa espreitar por esta janela, já que nesta casa as portas têm chave vendada a estranhos. Olha, ali, há relvado e sorrisos. Parecem fáceis! Palhas de ouro, teares tecidos em máquinas e não à mão. Parece outro horizonte! Estranho isso, embora inveje. Como é possível o astro estar só deste lado, quando afinal dizem que é de todos? Ludibriaram-te! Deixaste e caíste mais uma vez. O astro espelha-se aqui, reflecte aqui no peito, mas naquele de ouro está cinzento. Que quererá dizer? O merecido nem sempre é o atribuído. Um sábio certa vez te disse que não há mal que sempre dure e bem que perdure. Porque não segues aquele caminho lamacento e visceral, oco e negro por esta via que agora surgiu? Tantos a guiarem-se por aí… deve ser bom rumo… Reflecte e afasta-te. Repele-te e enoja-te aquele sítio. Sabe a irreal. Não quero seguir embora seja a única saída possível a percorrer para ter um escape exterior. Se não queres por aqui, percorre este, continua exausta por aqui e vagueia como poucos, luminosos, sem um nada somado. Decidiste… comprometeste-te… assim será…

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