quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Vida Efémera


Luís de 35 anos, casado com uma bela, maravilhosa e virtuosa esposa, com três filhos, a Ana de 2 anos e o Rui de 4 anos, eram o antídoto de uma vida paralela, stressante e de esforço sem recompensa inesgotável, no seu local de trabalho – uma prestigiada empresa. Desejava ser o presidente daquela empresa, desejava-o tanto que fazia todos os possíveis para se destacar, mesmo que para isso tivesse de abdicar de alguns prazeres no seu tranquilo lar, junto dos que mais amava, dos pais que o continuavam a visitar festivamente e a amar incondicionalmente.
- Pai, quando terminas de fazer a casa de árvore?
- Pai, ajuda-me a fazer o presépio de Natal…
- Luís, vamos tirar umas férias no campo com os nossos filhos, todos reunidos, em Julho deste ano, como nos bons velhos tempos?
- Meu filho, aparece lá em casa… Eu e o teu pai morremos de saudades tuas…
As respostas de Luís apenas suscitavam tristeza, revolta, indignação, pois que ele para alcançar o seu alto sonho não tinha tempo para proporcionar Amor e Felicidade a ninguém. A casa de árvore nunca foi construída, o presépio de Natal, por vários anos seguidos, era enfeitada na sua completa ausência, as férias nunca chegaram a acontecer, nem os acampamentos, nem a praia, nem os prazeres mundanos oferecidos pela vida foram notados por Luís. Anos passados e tudo mudara sem que se apercebesse. De olhos sempre postos no trabalhos, fitos a um futuro que nem ele próprio sabia o que lhe iria proporcionar, não viu a Ana crescer, se tornar uma adolescente excêntrica e rebelde e mais tarde uma mulher linda, mas fútil… Não viu o filho Rui deixar de praticar desporto, ter uma auto-imagem de si negativa pelo aumento abrupto de peso; não viu o homem que se tornou, também ele trabalhando na empresa do Luís , casando-se e recusando gozar a lua de mel para puder trabalhar, seguindo cegamente as pegadas erradas do seu próprio pai que sempre lhe fora um exemplo dos vícios, da tortura do trabalho desenfreado e inconsciente, da cegueira aos que mais amava, às suas necessidades, motivações, emoções, atitudes, crenças… Não viu a sua esposa a lutar por um casamento que se tornara infeliz, onde passaram a imperar as discussões, a solidão, o egoísmo e incompreensão de Luís. Não reparou que não tardou o divórcio e que a sua tão amada Beatriz se casara novamente, tempos depois, com outro homem, a bem ver, mais atencioso. Não reparara que, com um estilo de vida agitado e pouco saudável se tornara obeso e que bastava um pequeno esforço para padecer numa cama de hospital, ligado a “máquinas”, sofrendo um ataque cardíaco irreversível.
Não tinha tido tempo para reparar que o seu pai morrera, nem tivera tempo para ir ao seu funeral… para a última despedida de todo o sempre… Reparou que se tornara uma pessoa fria, calculista, objectiva, prática, sem emoção, sem sentimentos visíveis. Tornara-se um robot interminável e o tempo passava por ele com indiferença. Tão absorvido estava a trabalhar, alheio ao mundo, aos seus pais, aos seus dois filhos, á esposa maravilhosa que perdera por sua recriação, que se deixou morrer.
- Luís, agora que olhas para trás e revês o teu passado, o tempo que não viveste humanamente, que me dizes de ti?
- Quem me dera voltar atrás no tempo e retomar o beijo doce da minha esposa, o aconchego dos abraços dos meus filhos, o olhar atento dos meus pais… Desejava ter tido alguém que me fizesse parar e ver que a vida não deve ser levada em completa absorção de uma só parcela daquilo que nos torna seres completos e totais. Que há brilho no ar a ser respirado, há sol para acalentar, há piqueniques entre família e amigos a fazer, há canções para se cantar, há música para se dançar, há anos para se desfrutar, há lutas por vencer, há caminhos a percorrer, mas que, com calma, cautela (para nunca nos perdermos de quem somos) e coragem, tudo se alcança. Que as vitórias só têm valor quando há alguém que nos é muito querido para nos aplaudir, sem artefactos. Perdi-me de mim, agora sei, mas já é tarde demais…
E VOCÊ?
01/01/2009

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