segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ingenuidade Santa


- “Maria, minha doce filha, amor eterno, luz da minha existência, razão do meu viver, que sou eu sem ti?”
Maria, doçura genial, sorriso generoso e tímido, coração inocente, inteligência maior, formada em Medicina, no auge das suas 23 Primaveras, no dia de baile de finalistas, uma tontura a atormenta e cai sobre o chão. Desespero em gestos sua mãe para logo depois, já no hospital, lhe ser detectado um linfoma que a fez partir pouco depois dos primeiros sinais.
Mãe que muito a amava, divorciada e de loucura gigante pelo seu único e verdadeiro Amor, caiu em profunda e prolongada depressão, confinada a uma cama, num quarto sombrio, esquecendo-se de si, da vida lá fora.
Quem foste tu Maria, tão grandiosa?
Beleza rara, olhos de um verde cristalino, cintilavas e deliciavas a todos que de ti tiveram a feliz sorte de te conhecer. Rosto sereno, cabelos loiros caídos sobre seu rosto imaculado, eras tu a beleza humana feminina personificada.
Sua mãe, de igual bondade, sempre teve mais que verdadeiro Amor de filha – Maria era tudo o que na vida lhe fazia ainda algum sentido. Divorciada, vivendo peripécias tamanhas, ingratidão e traições, ela era não só filha, como amiga e companheira.
- “Maria, vou deixar meu trabalho mal termines tua formatura e junto contigo montaremos um consultório. Trabalharei sempre junto a ti, minha filha querida”.
Destino vagabundo impediu tal sorte. Mas porquê? Haverá razão? Sim, existe sim!
Maria, de 4 anos, sentada sobre a cama da sua mãe, aprecia com deleite extremo as fotografias de namoro e posterior casamento dos pais. De uma inocência, pureza, bondade e perfeição maior, diz: “- Meu pai é o homem mais lindo do mundo!”, quando afinal este, após o divórcio, não mais se preocupou com ela…
Maria, 5 anos, fora baptizada pela igreja segundo especial vontade da avó, crente e devota de Cristo e dos ditames da Igreja Sagrada. O pai e sua mãe não faziam menção de tal acto, dada talvez a sua menor fé ou até por considerarem que a religião não deve ser imposta pelos pais, mas sim pelo filho que em idade superior poderia optar. Ainda assim foi baptizada, para grande orgulho da avó que a vestiu de branco, cabelos loiros humildemente compostos, olhos verdes marinhos – um anjo à vista de todos! Tanto encanto emanavas, Maria!!!
Eis que o Sr. Pároco se acerca, sorri e lhe pergunta:
- Como te chamas, minha filha?
- Maria do Céu Vasconcelos.
- E que idade tens?
- Cinco anos, Sr. Padre.
- E por acaso sabes o que estás aqui a fazer diante de mim, diante de Cristo?
- Vou baptizar-me.
- Doce criança. Mas tu sabes o que isso significa?
- Sei sim, Sr. Padre. Passarei a ser irmã do Senhor.

Enternecido, o Pároco sorri satisfeito, surpreendido com a resposta de tal forma amadurecida.
- Minha querida, já sabes se em crescida vais estudar?
- Vou sim, Sr. Padre, vou sim!
- Mas para que fim? Já pensaste?
- Quero ser piloto de aviões.
Admirado, o padre retorquiu: - Mas porquê essa profissão? Podias desejar antes ser médica ou professora…
- Porque quero conhecer o céu, Sr. Padre.
Comovido e encantado, fica sem palavras, até que Maria prossegue com uma questão ainda mais espantosa:
- Sr. Padre, os pilotos podem ser santos?
O Sr. Padre, de olhar espantado, olha-a com ternura e responde: - Sim minha querida. Qualquer pessoa pode ser santo – um pedreiro, um calceteiro, um sapateiro, um agricultor, um ferreiro e até pilotos, médicos, juízes…
- Ai que bom Sr. Padre!!! É que se um piloto não pudesse ser santo, eu já não queria mais ser piloto de aviões!
Daquela tão leve, espantosa, honesta, deliciosa e ingénua conversa, o Sr. Padre apenas conseguiu tomar providencias, após a cerimónia, de chamar os avós de Maria à parte e lhes dizer: “- Nunca vi inteligência igual numa criança. É um anjo… já uma santa menina!”
Seu primo Pedro e Maria nutriam ambos uma amizade e união desigual. Pedro, criança esperta, perspicaz e brincalhão deliciava-se a contemplar o rosto da sua prima Maria dizendo, com apenas 4 anos, que: - “És tão bonita minha prima Maria! Pena seres minha prima, senão casava-me contigo!”, ao que ela apenas respondia com aquele característico sorriso tímido, brilhante, covinhas perfeitas nas maças do rosto: - “És tão tolinho, meu primo!”. Eram duas almas inseparáveis, assim como Maria era inseparável da sua amiga Teresa, duas verdadeiras irmãs unidas, não pelos laços de sangue, mas pelo Amor e pela bondade de coração que ambas possuíam.
Maria cerrou para sempre os seus olhos verdes ao mundo aos 23 anos de idade, mantendo até lá a grandiosidade e pureza inalterável por nenhum outro alguém. Seu rosto calmo, sensato, simples e incrivelmente belo em fotografias sempre recordada e por anos lágrimas derramadas pela avó, pela mãe que não suportou tal perda e desistiu de viver, e pelo seu primo Pedro que Amor outro e beleza igual noutro rosto feminino jamais encontrou.
Onde estás tu agora, doce Maria?
Zelando agora está pela sua mãe que lhe quis fazer companhia anos após o seu desaparecimento, como outrora o fez em vida, dando o ânimo e coragem que ela necessitou em momentos de maior fraqueza.
És a Santa que sempre sonhaste ser?

Sim, és! Santa pela pureza de feições, pela delicia de comportamento, pela doçura de coração, pelos nobres sentimentos, pela ingenuidade nunca perdida de uma criança que a cada dia sorri ao sol nascente, ao primeiro fruto da Primavera, à flor que humildemente te espreita. És santa para todos nós que te amamos, doce ser, mesmo que não te tenhas revelado a todos na tua curta passagem. És Amor! Vela por nós, Maria!

Clara Conde
16/11/2008

2 comentários:

Filipa disse...

quem me dera ter conhecido "maria"...

mas se calhar Deus deu-lhe aqui-lo que ela mais queria...conhecer o céu!

beijo solto

LIra

Anônimo disse...

Sem margem para dúvidas, o melhor que já escreveste até hoje. Bem escrito, bem pensado, poético e sensível. Incrível mesmo, gostei.

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