terça-feira, 30 de setembro de 2008

Evita


Provinciana, isolada e de sonhos elevados e firmes, de beleza singular, loira, pele cor pérola, um olhar doce, desejava ser artista em Buenos Aires, aquela cidade mais desejada. Pertencente a uma família pobre, criança abastada de pai, que não a perfilhou, mãe amante, trabalhadora e lutadora, vivia na esperança de vestir cetim, rolar-se em grandes salões luxuosamente decorados, ter um papel importante na sociedade… no fundo, ser reconhecida no seu mais íntimo valor.
Aos 16 anos, destemidamente parte em busca do seu sonho, indo até Buenos Aires na companhia de um amigo de família. De mala única na mão, com apenas umas pecinhas de roupa engomadas com amor pela sua mãe, passou fome, privações, sujeita ao vislumbre de homens sem escrúpulos, nunca perdendo a vontade de conquistar o palco, fazer representação, ser actriz. Eva passava o dia à procura de trabalho em rádios, revistas e, principalmente, tentando uma oportunidade no teatro e no cinema. E sempre conseguiu um papel secundário num filme, onde revelou a nu a sua não aptidão para a carreira de actriz. Mas esta oportunidade, embora nada brilhante, valeu-lhe o passaporte do conhecimento do então Vice-Presidente da Argentina, Juan Péron. Homem alto, de porte atlético, sempre sorridente, enfeitiçou-a no primeiro instante. Ela, como jovem bela, quase cintilante, atraiu Perón de igual forma.
Após um horrendo terramoto, em San Juan, 1944, Perón organizou um evento para angariar fundos para as vítimas do terramoto. Um ano mais tarde, poucos dias após as comemorações do seu 50º aniversário, Perón foi preso por ordem de Edelmiro Farrel, então presidente provisório da República. Desse evento houve uma grande contestação popular e Eva Duarte, seu nome de baptismo, já tendo um programa de rádio onde declamava versos, participava de rádio-novelas e falava sobre a biografia de mulheres famosas, mergulhou de cabeça numa campanha furiosa e desenfreada pela libertação de Perón. Dois dias depois e onze dias após sua prisão, era possível ver de novo, na fachada do Palácio do Governo um vulto acenando para a multidão de dezenas de milhares de simpatizantes, sorriso nos lábios, os dois braços ao alto. Era Perón! Livre! Pouco depois estabelece os laços patrimoniais e de Amor com Eva e pactuou-se ali uma sociedade de ideias e interesses que os levou aos limites do poder, da glória e da riqueza, culminado em ruína. Em 1946, Perón é eleito como Presidente - graças a Eva, à sua astúcia, firmeza, persuasão e entrega às massas populares mais pobres da Argentina – os “descamisados”.
O voto feminino, reivindicação histórica das mulheres comunistas argentinas, foi implantado por um golpe de voluntarismo de Evita. Defensora dos mais pobres, oprimidos, fragilizados da sociedade, era mais que a mulher do grande Perón, mais que uma benfeitora, mas a líder espiritual da nação argentina; quase uma Santa. Pois que ela operava milagres, através da sua voz conseguir unir o pobre e o da classe mais rica de forma a que lhes fossem satisfeitas as suas necessidades mais básicas de sobrevivência. Era uma luz de confiança, da possível igualdade entre classes sociais, um ideal de sociedade com poder económico devidamente e equitativamente distribuído.
A sua presença era magnífica, atraía pelo seu carisma, pela sua generosidade, pela beleza que possuía e ostentava luxuosamente, como sempre desejou… Vestidos em cetim, jóias e o seu cabelo loiro canudado, sempre brilhante e resplandecente.
Faleceu com 33 anos com um cancro uterino, rápido e fatal, tendo apenas sido líder política argentina durante sete anos, donde saltou da completa pobreza e anonimato para uma das figuras femininas mais mundialmente famosas. Incapaz de aceitar que estava a desfalecer de modo súbito, ainda acreditava poder ser mais útil ao seu povo argentino, idealizando uma vida longa em que pudesse ser capaz de fazer frente aos malfeitores da sociedade e dar poder aos pobres e miseráveis que ela tão bem acolhia em seus braços. Que génio humano, que generosidade, que alma perfeita!
A notícia da sua morte foi uma tragédia, um desespero geral, uma perda imensa, um pranto comum e ritmado de uma mesma dor, de uma tão grande perda… de uma Santa! Foi então embalsamada para ser contemplada pelo seu povo amado, para jamais ser esquecida.

30/09/2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Um filme? Pelos vistos com uma mensagem fortíssima para mostrar, gostei imenso :D

Beijinho@@