A minha vida é feita de uma
sucessão de esperas. A cada ritmo compassado do músculo que dá vida, a mesma
sonoridade insistente, persistente e enlouquecedora de cada segundo, a bater
num tambor descompassado interno que agita e dispara músculos e peito numa
vigília desnecessária e sofredora. E o tempo comanda-me, deixando-me sem
dignidade para agir com o meu ritmo biológico certo. Quando tudo te governa
numa cadência rápida e agitada e para tudo tens de estar alerta, tudo se sucede
com rapidez, numa luta sem termo e não se avizinha a esperança e o descanso
repousante. O desgaste derruba-te numa prisão de cansaços que te privam o sono,
te quebram os movimentos, te incapacitam de pensar e até de sentir, quando, num
momento de rara beleza como esta, hoje, de agora e de sempre, espero, não há
mais força para sorrir e dançar.
Os
barulhos persistem no silêncio e já sentes que do vazio dá lugar um
preenchimento aprisionado e asfixiante que te queda a respiração. Porque o que
tenho não é aquilo que desejo; quando, o que conquistei, a sangue e lágrimas,
suores e batidas, materialmente é nada e, agora, mais do que em qualquer outro
dia, olhar adiante faz-me temer a possibilidade de ser capaz de alcançar. E
parece tudo tão longínquo pensar no que amanhã será, como é viver a eternidade
do Amor, sarar feridas do passado com calor, chá verde, lareira e xaile aos
ombros, o antes, a preciosidade das crianças, de gerar, procriar, construir
personalidades, editar mentes, estimular inteligências – Dar Vida! Como é? Como
será a minha quietude então, se já, no presente aparentemente tranquilo e
neutro, cercam-me aflições? Como serão as noites não dormidas, não pelo som dos
segundos já interiorizados, mas pelo choro do produto de um Amor puro? Quem
serei então? Quando a vida, de tenra, ainda não me impulsionou para a
maturidade total, como se avizinha esse além tentação, como se vive diante do
sonho, dentro do sonho, no contexto do sonho, penetrado no sonho? Como serão
consequenciadas as minhas lacunas, o vazio do que não se construiu, a
irregularidade de humores e sensibilidades, a inconstância de um sentir, rotativo
e cíclico que sempre se fechou e se abriu no mesmo ponto? Como saberei ser
diferente quando diferente ainda não sou e receio desconhecer o caminho até lá
chegar?... E quando, pelo inverso, da face esbelta da beleza de um sonhar, se
afigurar o desequilíbrio e a rutura de, afinal, nada construir? Se o Amor, a
estabilidade, a paz, o cheiro dócil do terno cuidar, afinal não me saciarem a
sede? Solidão! É este o ponto de viragem daquele momento em que estás diante de
dois caminhos: um radiante e soalheiro que se afigura mais real, e um outro de
penumbra e desfiguração que temes e receias nada permitir lá chegar. E tudo se
resume à palidez da vida diante do sermos sós. E, todo o momento, fugimos de
cair nesse poço fundo, sem luz possível, sem caminho próximo ou secundário,
dando-nos conta que a solidão é a mais temível de todas as realidades humanas.
Ávidos procuramo-nos uns aos outros, cercamo-nos, vivemos em comunidades,
comunicamos e sorrimos para bom grado, ajudamos e acariciamos para uma troca
justa e necessária. Ninguém vive só. A Felicidade é inimiga da Solidão. Não que
nos alicerce nos maneirismos mais corretos de agir com os outros, não que
saibamos amar e fazer esforços para fazer felizes aqueles além, iguais,
coloridos ou gigantes, rainhas ou pedintes, tolos ou intelectuais, mas
ambicionamos a companhia, o colo, o aconchego, as palavras e ternuras, dadas,
oferecidas, gratuitas, entregues a nós, giratórios e centrais no mundo…
sozinhos, de fato. Todos o somos, raízes soltas que almejam alcançar os frutos
e fazer semear poléns para germinarem em gerações múltiplas, elas também
habitadas na solidão, num ciclo sem fim de limitações e vazios.