terça-feira, 25 de maio de 2010

Quem me leva os meus fantasmas


Acabará o tempo
Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes
As palavras voavam
E ouvia que o céu
Me nascia dos dedos
E a ursa maior
Eram ferros acesos
Marinheiros perdidos
Em portos distantes
Em bares escondidos
Em sonhos gigantes
E a cidade vazia
Da cor do asfalto
E alguém me pedia
Que cantasse mais alto

Quem me leva os meus fantasmas
Quem me salva desta espada
Quem me diz onde é a estrada.

Acabará o tempo
Em se as sombras se erguiam
Em que homens negavam
O que outros erguiam
E bebia da vida
Em goles pequenos
Tropeçada no riso
Abraçava venenos
De costas voltadas
Não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha do muro
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.

De que serve ter um mapa
Se o fim está traçado
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta
De que servem as palavras
Se a casa está deserta.
Pedro Abrunhosa

domingo, 16 de maio de 2010

sábado, 15 de maio de 2010

Ou fixação?


Em vão te escondi debaixo do tapete, já acumulado, já elevado, pensando esquecer-te. E assim se passaram os dias, na ilusão de um esquecimento, no pseudo alívio de não ter mais amarras, de ter retomado o meu controle, sem ti, sem a tua acção, sem o teu poder de hímen sobre mim. Passaram-se dias mas do tapete sopraram ventos e fizeram espalhar-se pós de recordações, tão macias. E afinal, do que considerava ter sido esquecimento passou a ser saudade, imensa e corrosiva. E julgas que não lutei fortemente pelo esquecimento das lembranças? Fiz tudo, mas sem o desejar, lá reapareciam e me deixavam de sorriso cândido, olhar brilhante, apaixonado.
Nesta fase de arrumações também eles, os sentimentos, desejei arquivar e etiquetar para melhor os entender. E a ti, na pasta com teu nome, coloquei um post-it de “amo-te”. Sinto ainda vertigem pensar nesta palavra, neste sentir; ainda não o sei expressar, traz-me medos do passado que ainda não foram resolvidos. Mas, com meu botões, questiono-me ainda se aquele post-it estará realmente certo ou se em vez dessa linda e gigante palavra poderia antes colocar “fixação”. Ambas revelam o mesmo, o meu descontrolo de ti, de te pensar, de te saborear, de trazer-te até mim, vivaz, em memórias repetidas. Não estás aqui, contudo, mas tenho-te comigo a todo o instante e sinto-te sempre junto a mim, como meu companheiro, amigo e amante. Não me diriges palavra, ignoras-me, rejeitas-me até, talvez por medo de mim, talvez por orgulho, mas recordas-me ainda; ainda estou capaz de te provocar reacções e nada mais preciso saber além disso para saber que não fui definitivamente esquecida. E bastam-me esses pequenos indícios para sentir que contigo deverei fazer aquilo que nunca fiz por nenhum outro – vou arregaçar as mangas da camisa, vou içar a espada e irei ao teu encontro. Mas a utopia não me vence, sei que ainda estás capaz de me causar feridas, que contigo toda a luta é intensa, de teu carácter forte, mas sei-me capaz de te afrontar, com tudo de mim, com todo o meu peito aberto, sem defesas, à tua mercê. Vou permanecer firme, como nunca antes, e podes-me então matar e fazer renascer sempre até ao dia em que após me ferires, me deixas, para sempre, estendida no chão. E só então me aperceberei que a luta terminou e que foste vencedor e eu derrotada. Então a partir do ponto zero, apagando-te o giz de palavras escritas, retomarei a vida, sem ti, sem esperanças e a luta será outra, maior, de te esquecer. Este jogo ainda está em aberto, o fim poderá ser tão glorioso como desastroso à minha fé, à minha felicidade, a toda a minha vida. Claro que receio, claro que ainda estremeço só de pensar, mas quero prosseguir a marcha solene até ti, sem hesitar, para que percebas, finalmente, agora sem ambivalências, o que quero e o que desejo para mim.
Vale a pena embainhar a espada e prosseguir na direcção de um ser maravilhoso, rodeado de perfeição, calejado, vivido, experienciado, capaz, exigente, lutador, bravo, riquíssimo de alma. Um ser ainda assim ferido, com ânsias não satisfeitas, com temores, múltiplos, farto de dar, sequioso de receber. Ouço-te a gritar por amor, carícias e um embalar, porque tão cedo foste homem, tão cedo viste a responsabilidade, tão cedo te iludiste, tão cedo te maltrataram. Mas estou aqui, enfim, para ti… aguardo apenas o teu abrir de braços, o deixares envolver-me em ti e aí então tudo o que sei, tudo o que sou, tudo o que de melhor tenho para dar, será inteiramente e eternamente teu.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Se eu não te amasse tanto assim


Meu coração

Sem direcção

Voando só por voar

Sem saber

Aonde chegar

Sonhando em te encontrar.

E as estrelas

Que hoje eu descobri

No seu olhar

As estrelas vão-me guiar.


Se eu não te amasse tanto assim

Talvez perdesse os sonhos

Dentro de mim

E viver na escuridão.

Se eu não te amasse tanto assim

Talvez não visse flores

Por onde eu vim

Dentro do meu coração.


Hoje eu sei

Eu te amei

No vento de um temporal

mas fui mais, muito além

Do tempo do vendaval

Nos desejos de um beijo

Que eu jamais provei igual

E as estrelas dão-me um sinal.


- Ivete Sangalo -

sábado, 8 de maio de 2010

Longe daqui



Longe daqui
Tens um segredo guardado
Para abrir
Num lugar mais desejado
Num lugar onde possas saber
Que por ser segredo não podes dizer.

Serás tu a sombra
Que olhas no chão
Serás a promessa
Que trazes na mão.
De que serve o teu disfarce e o teu secreto olhar
Se não tens ninguém a quem te revelar.

Longe daqui
Tens um desejo fechado
Para abrir
Num lugar mais arejado
Num lugar onde possas saber
Que há muito tempo ficou por dizer.

Serás o silêncio
Ou o sonho desfeito
Será teu o grito
Que arrancas do peito.
De que serve o teu disfarce e o teu secreto olhar
Se não tens ninguém a quem te puder dar.

Fixaste o teu olhar no meu.
Ficaste longe daqui.
Tão longe de ti
Tão longe de nós
Corres para te salvar
Para outro lugar.